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      José Álvaro de Lima Cardoso

      Economista

      230 artigos

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      A impressionante resiliência da economia russa

      O fortalecimento da parceria com a China talvez seja a política mais importante para enfrentar o bloqueio

      Presidente russo, Vladimir Putin (Foto: Sputnik / Vyacheslav Prokofyev / Pool via Reuters)

      A partir da Guerra da Ucrânia, em 24 de fevereiro de 2022, a Rússia ou a sofrer pesadas sanções dos países chamados ocidentais, caracterizando o caso mais extremo conhecido de bloqueio econômico, constituído por mais de 16 mil medidas. As restrições têm natureza financeira, como o congelamento de ativos e exclusão de bancos do sistema SWIFT (na tradução, Sociedade para Telecomunicações Financeiras Interbancárias Mundiais). São também comerciais, como as restrições à importação e exportação de bens, incluindo tecnologia e energia, que são bens vitais. Uma das consequências das sanções é o aumento de preços, decorrente da desvalorização da moeda nacional. 

      As sanções afetam a muitos setores da economia: o financeiro, com o congelamento de ativos, exclusão de bancos russos do SWIFT (ou Sociedade para Telecomunicações Financeiras Interbancárias Mundiais). Energia, com o embargo à exportação de petróleo e gás, e restrições à exportação de tecnologia de energia. Setor comercial, com restrições à exportação de bens de luxo e tecnologias consideradas críticas. Impacta também no setor de Defesa, com o embargo ao comércio de armas e troca de tecnologias. Outro aspecto é a restrição do o a crédito e tecnologia, que se reflete diretamente na menor capacidade de inovação e investimentos. 

      Estima-se que cerca de US$ 300 bilhões em ativos soberanos russos foram retidos por países ocidentais. São reservas em moeda de outros países, títulos do governo, ações de empresas russas, depósitos bancários, propriedades e bens imóveis pertencentes a indivíduos ou entidades russas. Obviamente o “congelamento” dos recursos provocou consequências econômicas importantes para a Rússia, como dificuldades para estabilizar o rublo e financiar importações essenciais. Aliás, o bloqueio está sendo realizado justamente para provocar prejuízos econômicos e políticos ao país, como é da lógica deste tipo de política. 

      Em 2024, a média de crescimento econômico mundial foi de aproximadamente 2,8%, abaixo de 2023 (3,1%) e 2022 (3,0%). Desempenho influenciado, dentre outras causas, pela elevação das taxas de juros, visando conter as taxas de inflação. Um dos fatores de pressão dos preços é o próprio fornecimento de energia, que ficou mais caro, especialmente na Europa. O continente europeu cresceu 0,9% e o país que foi seu “motor econômico”, a Alemanha, viu sua economia cair 0,2%. 

      Considerando o nível do bloqueio econômico que vem sofrendo, a Rússia surpreende e destoa do quadro mundial e europeu. A economia do país cresceu 4,1% no ano ado, quase 50% acima do crescimento mundial. Os salários apresentaram um ganho real, na média, em torno de 0,5% (crescimento nominal de 10%, descontando uma inflação de 9,5%). Alguns setores, como a Indústria de Defesa e Construção e Tecnologia da Informação, que apresenta grande demanda por trabalho, puxaram os ganhos reais dos salários. O salário-mínimo cresceu 18,5% em termos nominais e 8,22% reais (acima da inflação). Para uma taxa de desemprego médio na União Europeia de 5,8%, a taxa na Rússia gira em torno de 2,3%, que é praticamente uma taxa de pleno emprego. 

      Os bloqueios econômicos, especialmente quando organizados por potências, são uma robusta arma de guerra. Eles visam arruinar a economia de um país ou região, para colocar a população do país atingido contra o governo. As sanções levam à queda do PIB e ao aumento do desemprego, o que tende a corroer a popularidade do governo do país afetado. Os efeitos costumam ocorrer em cadeia. Por exemplo, as sanções ao Irã, que começaram na revolução de 1979, e que continuam em boa parte até hoje, levaram a grandes prejuízos ao país, em termos de crescimento, inflação e crises cambiais. 

      São conhecidos os efeitos do boicote liderado pelos EUA à Venezuela. Entre 2013 e 2017 a economia venezuelana sofreu uma contração de mais de 35% em seu PIB, em boa parte, devido às sanções. A hiperinflação e a desvalorização do Bolívar reduziram drasticamente o poder de compra, dificultando o o a bens básicos. Se estima que o país perdeu 3 milhões de empregos em função do bloqueio econômico. Para efeitos comparativos, o PIB da União Soviética, país que foi devastado na Segunda Guerra, e que teve 27 milhões de mortos, caiu cerca de 24% em relação ao período pré-guerra, menos do que na Venezuela, no período apontado.  

      É impressionante a capacidade que está demonstrando a Rússia, até o momento, de reagir ao bloqueio econômico que já dura mais de três anos. É possível listar algumas das medidas mais importantes adotadas no período: 

      No campo das medidas econômicas mais específicas: 

      1. Aumento dos gastos militares: os investimentos em defesa e segurança representaram 7,1% do PIB no ano ado, cerca de 3,5 pontos percentuais acima do que foi gasto em 2021, ano que antecedeu a guerra; 
      2. Substituição de Importações: o país estimulou a produção interna de bens, o que permitiu manter o suprimento doméstico e reduzir a dependência de produtos estrangeiros. É um fenômeno muito próprio dos períodos de guerra, o conflito estimula uma reindustrialização do país e agregação de valor à produção. 

      Nas políticas setoriais:

      1. Estímulo à indústria de defesa e manufatura: o aumento nos gastos militares estimulou as indústrias de defesa, fortalecendo o crescimento do setor e desenvolvendo vários setores, como: metalúrgico, químico, têxtil, eletrônico, aeroespacial, naval e farmacêutico; 
      2. Setor energético: o país manteve uma produção significativa de petróleo e gás, redirecionando exportações, principalmente para China, Índica e Turquia (em menor escala);
      3. Agricultura e indústria alimentar: o país fortaleceu o setor pela substituição de importações, melhorando a segurança alimentar e tornando a Rússia autossuficiente em vários produtos que antes vinham de fora. 

      Fortalecimento de parcerias internacionais:

      1. Fortalecimento do comércio com países asiáticos, como mencionado. De 2022 até agora o comércio com esses países aumentou cerca de 60%, principalmente através das exportações de petróleo; 
      2. Maior aproximação com o BRICS: fortalecimento de negócios com moedas locais. Ou seja, o país está aproveitando o boicote para começar a resolver um problema estrutural, que é a dependência do dólar.

      Inovação e Tecnologia

      1. Criação de Techno Parks: Uso de incentivos fiscais para criar parques tecnológicos, visando fomentar empresas de tecnologia;
      2. Apoio a Empresas de TI: Expansão de operações de gigantes como Intel e Google na Rússia. 

      A Rússia vem se preparando para uma situação de maiores dificuldades econômicas há pelo menos há 10 anos, com a adoção de várias medidas visando o fortalecimento da economia nacional. Por exemplo, o país acumulou, desde então, robustas reservas internacionais, incluindo um elevado montante em ouro, acima de US$ 630 bilhões em 2022. Essas reservas são fundamentais para estabilizar a moeda nacional, especialmente em períodos de conflito internacional, cada vez mais previsíveis. 

      A política econômica russa combina o livre mercado com forte intervenção estatal. Subsídios direcionados apoiam setores estratégicos, garantindo um ambiente econômico estável e propício a investimentos na economia. Atualmente, a Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), ou seja, os investimentos em infraestrutura e produção, em percentual do PIB é de cerca de 21,9% na Rússia. Para efeitos comparativos esse percentual foi de aproximadamente 17,0% do PIB no Brasil, em 2024. Na China, a FBCF representa cerca de 44,1% do PIB, mas o país é um ponto totalmente fora da curva.

      No cardápio usado pela Rússia para enfrentar um bloqueio econômico monstruoso, se destaca a política de aproximação com a China, que tem várias dimensões. Um dos riscos do bloqueio, como se sabe, é o isolamento político e econômico do país alvo. A China é um parceiro que se opõe à hegemonia dos EUA, ainda que de forma muito discreta, como recomenda a milenar diplomacia chinesa. Com o fechamento dos mercados para o ocidente, a Rússia obteve na China uma alternativa para a venda de seus produtos, especialmente petróleo e gás natural, que somados representam cerca de 70% do total das exportações russas para a China. A Rússia exporta ainda para a China: carvão, metais (incluindo níquel, alumínio e cobre), produtos agrícolas e produtos químicos, incluindo fertilizantes. Nessa área, as duas economias são complementares, pois a Rússia é uma potência em recursos energéticos e a China tem alta demanda por eles. 

      O problema que pode ser apontado na relação comercial entre os dois países é que ela tem uma característica “neocolonial”. Ou seja, enquanto a Rússia exporta commodities agrícolas e minerais para a China, este país vende veículos, eletrônicos, equipamentos industriais em geral, máquinas e ferramentas e produtos químicos. Mas este não é um problema específico da relação China-Rússia e sim um problema da relação da China com qualquer país do mundo. Inclusive dos EUA que exporta soja, petróleo bruto, carne bovina e suína e algodão para a China, e importa eletrônicos e computadores, brinquedos, baterias, têxteis e vestuário do país asiático. A relação do Brasil com a China, obviamente, tem essa mesma característica, de forma ainda piorada. 

      O fortalecimento da parceria com a China talvez seja a política mais importante para enfrentar o bloqueio, desenvolvida pela Rússia. Em termos de Paridade de Poder de Compra (PPP) a China é a maior economia do mundo. Ademais, tem uma política de parcerias assentada no ganha-ganha, ou seja, ela não quer predar economicamente o país parceiro. Além disso, não impõe condições de política econômica para os demais países, pelo contrário, oferece projetos que irão trazer benefícios concretos, como obras de infraestrutura, novas tecnologias, ou maior segurança alimentar. 

      Por outro lado, a China também tem um grande interesse em se aproximar da Rússia, na medida em que este país é um contraponto muito importante na ofensiva americana contra eles. Isso ocorre em relação aos Brics de uma forma geral, diga-se de agem, incluindo o Brasil. A China sabe que está na condição de “grande inimigo a ser batido”, independentemente do partido que estiver no poder nos EUA.  O país vinha há anos se preparando para a piora nas relações com os EUA, na medida que conseguisse desenvolver seu projeto nacional. Para tanto, uma das estratégias centrais tem sido a de consolidar parcerias verdadeiras e duradouras. 

       

      * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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