A memória de Ruy Mauro Marini
Marini foi o mais importante intelectual marxista da segunda metade do século ado
Ruy Mauro Marini foi o mais importante intelectual marxista da segunda metade do século ado. Pensador da teoria da dependência, mas que soube articular as relações externas com a estrutura de classes interna de cada país.
Eu pude conviver com ele no Brasil, depois no Chile, no México e finalmente de volta de novo no Brasil. Quando ele morreu, eu recolhi os textos que estavam na sua casa.
Entre eles, se destaca o que ele intitulou como Memória. Um texto de umas 80 páginas, seguido de uma longa bibliografia.
É um texto da sua trajetória profissional, mas estreitamente interligado com a construção da sua teoria. O sumário tem um capítulo que ele denominou de o começo, seguido por seus três exílios, seguido por um capítulo sobre sua volta ao Brasil e um balanço final.
Nascido em Minas, logo veio para o Rio, onde deu início a seu processo de formação intelectual, com as influências dos seus professores. Foi quando eu o conheci, no Rio, quando participávamos da mesma organização, surgida da fusão de um grupo de São Paulo, o de um setor do Partido Socialista, a que ele pertencia, e um grupo do PTB de Minas Gerais. A organização surgida dessa fusão sofreu logo os efeitos do golpe militar de 1964, a partir de quando se dão os três exílios em que Ruy Mauro divide sua trajetória, até o retorno ao Brasil.
O primeiro exílio se dá no México, onde se concentrará grande parte do exílio latino-americano, conforme se encadeiam os golpes militares no Brasil, no Chile e na Argentina. Nesse primeiro exílio as reflexões de Ruy Mauro se concentram sobre a interpretação do caráter do golpe no Brasil. Seu livro Subdesenvolvimento e revolução recolhe essas análises.
Seu segundo exílio se deu no Chile, quando se iniciava o governo de Salvador Allende. Radicando-se inicialmente em Concepción, no sul do país, ele pôde entrar em contato com os setores mais radicalizados da esquerda chilena, especialmente com o MIR – Movimiento de Izquierda Revolucionaria.
Esse vínculo confirma uma característica única de Ruy Mauro entre a intelectualidade latino-americana: sua articulação do trabalho teórico com o vínculo concreto com organizações da esquerda radical do continente. No MIR ele ará a ter participação destacada, com responsabilidades importantes na organização.
Quando eu cheguei no Chile e fiquei na sua casa, pude conhecer os membros da Comissão Política do MIR, que se reuniam na sua casa.
Como ele mesmo diz: “Em um ambiente politizado como o de Concepción torna-se difícil distinguir o que foi ali atividade acadêmica e o que foi atividade política.”
Em Santiago trabalhamos juntos no CESO – Centro de Estudos Sócio-Econômicos da Faculdade de Economia da Universidade do Chile. Onde estavam, entre outros, Marco Aurélio Garcia e Marta Harnecker.
No CESO organizamos um seminário de estudos sobre O Capital, que deveria se seguir com textos políticos do Marx, mas que foi cortado pelo golpe militar.
Ruy Mauro desenvolveu especialmente reflexões sobre as economias subdesenvolvidas e dependentes da América Latina. Seu livro Dialética da Dependência recolhe as reflexões mais maduras sobre a articulação entre a dependência externa e a geração de uma burguesia dependente e integrada aos interesses externos, ao contrário da visão que depositava suas expectativas em uma suposta burguesia progressista.
“O subdesenvolvimento é a outra cara do desenvolvimento”, segundo Ruy Mauro, que analisava a forma como a América Latina se havia integrado ao mercado mundial. As transferências de valor não podiam ser vistas apenas como uma anomalia ou um estorvo, mas como resultado da dinâmica do mercado internacional.
A partir dessa visão, Ruy Mauro desenvolveu sua visão particular, baseada na abundância de recursos naturais e na superexploração do trabalho. A industrialização latino-americana seria condicionada pelas relações de produção internas e externas.
A intensificação dos conflitos no processo chileno levou Ruy Mauro a se concentrar mais no trabalho político, que desenvolvíamos juntos no MiR. Com o golpe, nos asilamos na embaixada do Panamá. Fomos os dois primeiros a sairmos do país, pelas tarefas que o MIR nos atribuiu, de dirigir o trabalho exterior da organização.
Deu-se assim o terceiro exílio do Ruy Mauro, de volta para o México. Quando ele desenvolve algumas linhas presentes no seu livro Dialética da dependência, em três direções distintas. O ciclo do capital na economia dependente , a transformação da mais valia em lucro e o subimperialismo.
Sobre o ciclo do capital, ele retoma a relação circulação-produção-circulação, aplicada agora às mudanças da economia brasileira. Ele se preocupa com desfazer o que ele considera certos equívocos que o conceito de subimperialismo tinha despertado. Enfatiza sua dimensão econômica. Ele considera um erro não ter abordado devidamente o caráter político do subimperialismo.
No retorno ao Brasil, Ruy Mauro fez parte do grupo de professores escolhidos por Darcy Ribeiro para a fundação da Universidade de Brasília. Naquele momento, se concentrou de novo em análises sobre o Brasil, a partir da constatação de que a aceleração do processo de concentração de renda, iniciado nos anos 60, havia perdido força a fins dos 70 e princípios dos 80, como resultado a ascensão das lutas sociais no país. Houve o fortalecimento do bloco burguês, na chamada Nova República, a retração dos investimentos produtivos e as ofensivas lançadas contra os trabalhadores.
Na conclusão do trabalho, Ruy Mauro afirma que a sua teoria da dependência contribuiu de maneira decisiva para alentar o estudo sobre a América Latina pelos próprios latino-americanos, rompendo com a tradição colonialista que predominava nesse terreno até a década de 1950. Inverteu-se assim, pela primeira vez, o sentido das relações de pensamento entre a região e os grandes centros capitalistas. Ao invés de receptora, a América Latina ou a influir com força nas correntes progressistas do pensamento europeu e norte-americano.
A pobreza teórica das América Latina dos anos 80, segundo Ruy Mauro, é em grande medida, o resultado da violenta ruptura que a ofensiva contra a teoria da dependência provocou e que preparou o terreno para a reintegração da região ao novo sistema mundial que se estava gestando, caracterizado pela afirmação hegemônica dos grandes centros capitalistas em todos os planos.
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