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      Sara York

      Sara Wagner York ou Sara Wagner Pimenta Gonçalves Júnior é bacharel em Jornalismo, licenciada em Letras Inglês, Pedagogia e Letras vernáculas. Especialista em educação, gênero e sexualidade, primeiro trabalho acadêmico sobre as cotas trans realizado no mestrado e doutoranda em Educação (UERJ) com bolsa CAPES, além de pai, avó. Reconhecida como a primeira trans a ancorar no jornalismo brasileiro pela TVBrasil247.

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      A nova onda de concursos e a velha mania de recitar sem praticar

      Não basta citar. É preciso encarnar

      Nego Bispo (Foto: Reprodução/Vídeo/Itaú Cultural)

      Uma nova onda de concursos públicos para professores varre o país como um furacão disfarçado de modernidade. Um sopro de atualização que, no fundo, tem gosto velho e amargo. Se ontem era obrigatório citar Boaventura de Sousa Santos para garantir pontuação na dissertação, hoje a cartilha mudou, mas o método continua. Basta lembrar da febre da Epistemologia do Sul: virou sinônimo de “consciência crítica” no vocabulário dos candidatos — mesmo quando dita como um mantra vazio, um slogan de boutique intelectual.

      E agora, com a mesma velocidade com que aprenderam a ronronar o nome de Boaventura, aprenderam a recitar Silvio Almeida. O gato ronrona quando está feliz e enquanto conforto entre os seus. Ler Cida Bento nunca mais me deixou confortável ouvindo a voz doce de quem estava e pactos. O mesmo Silvio que, desonrado publicamente pelas forças reacionárias e escanteado pelos que antes o exaltavam, parece hoje pertencer a um limbo onde sua teorização já não “serve”. Como se houvesse data de validade para as palavras negras, como se o pensamento negro precisasse de chancela branca para continuar existindo, mas para destituí-los precisamos de pares, nunca ímpares! 

      O que se vê, nas provas, nos editais, nos bastidores dos concursos, é a apropriação contínua e descarada de vozes que nunca foram ouvidas de fato. Os novos gurus da vez se chamam Krenak, Davi kopenawa, Nego Bispo, Viveiros de Castro — santos canonizados nas bancas da Faria Lima e das universidades de elite. Tornaram-se modinha, grife de esquerda gourmet, recitados em tom de reza acadêmica por quem nunca pisou num território indígena, por quem nunca ouviu um silêncio quilombola.

      Citam-se os textos de Nego Bispo como quem lê horóscopo no jornal: buscando um significado que conforte, que legitime, mas que nunca desestabilize. Citam até a vírgula que ele pensou, como se isso bastasse para incorporar sua ética. Mas esquecem — ou fingem esquecer — de praticar o que foi dito. De escutar o tempo de outro modo. De colocar o corpo no risco da coerência.

      É a mesma elite que agora diz “incluir” corpos dissidentes, que abre espaço para a deficiência, desde que seja depois da sua própria vaga. A mesma que oferece o assento, mas só depois de já estar bem acomodada. A mesma que diz “vamos ouvir uma travesti” — mas apenas após monopolizar o microfone para interpretar o que ela representa.

      Eles aprendem. E aprendem bem. Aprendem nossos enredos, nossas palavras, nossos silêncios. Aprendem tudo. Para continuarem onde sempre estiveram: no topo. Vestem as teorias da dor como figurino de gala. Usam o discurso da diversidade como maquiagem para seus pactos narcísicos.

      Não é mais sobre esquerda ou direita. É sobre oportunismo. É sobre quem faz do discurso crítico um verniz para conservar o mesmo jogo de exclusão. A velha política das boas intenções que, na prática, não move um dedo pela transformação.

      Até quando será assim?

      Até quando nossos corpos seguirão servindo de vitrine para o espetáculo da empatia performativa? Até quando nossas teorias serão recitadas por quem não ousa viver os dilemas que elas anunciam?

      Não basta citar. É preciso encarnar. E isso, minha cara banca examinadora, não se decora. Se vive!

      * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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