A santa indústria da fé e os brinquedos de gente grande
O sistema reinventa seu próprio pesadelo e vende como esperança
O Brasil não tem fundo. O que parece o poço é só uma ilusão conveniente: um buraco que se estende, que se renova, que nunca nos permite descansar. Cada vez que um cidadão acredita ter alcançado o limite do absurdo, uma nova camada de degradação emerge. O sistema reinventa seu próprio pesadelo e vende como esperança.
No alto de um púlpito improvisado, Miguel Oliveira, 15 anos, rasga exames médicos enquanto promete curas miraculosas. A multidão chora, grita, joga dinheiro aos seus pés como se ele fosse um deus recém-descoberto. O Pix da fé nunca falha. Todos sabemos que dinheiro não traz felicidade, mas no Brasil ele pelo menos promete curar leucemia, com um marketing agressivo e o tom certo de desespero.
A menina com seu bebê reborn observa de longe. Segura nos braços uma criança de mentira, enquanto as de verdade am fome nas ruas. No país do faz-de-conta, o plástico tem mais valor que carne e osso, porque não dá trabalho, não exige direitos, não incomoda. O capitalismo, implacável, inventou uma maternidade perfeita: sem necessidades, sem reclamações, apenas consumo. Quem precisa de um filho quando se pode comprar um brinquedo com peso realista e cheiro de recém-nascido?
Mas há algo ainda mais profundo do que esse teatro grotesco: a dissonância cognitiva coletiva. O mesmo cidadão que condena pobres por dependerem do Estado é aquele que entrega seu salário para um pastor prometendo prosperidade. O mesmo que se revolta com a corrupção é o que defende um líder religioso pedindo R$1.000,00 em troca de bênçãos. A fé virou capitalismo. O dogma virou moeda. E o espetáculo da ilusão nunca termina, apenas se aprimora.
Fake news surgem como uma praga, preenchendo os vazios de uma população que desaprendeu a pensar. É mais fácil acreditar que há um complô contra a igreja do que itir que estamos sendo feitos de idiotas por quem transformou Deus em plano de negócios. A extrema direita joga suas cartas, abraça o menino-pastor como um mártir e anuncia sua perseguição santa. Fatos não importam, apenas a narrativa que alimenta a máquina.
O Conselho Tutelar intervém. "Miguel precisa voltar para a escola!", decretam, como se a educação fosse capaz de competir com a fortuna acumulada pelo teatro da fé. No Brasil, conhecimento é castigado, pensamento crítico é ridicularizado, e o progresso só existe na boca dos enganadores que lucram com a miséria.
Mas toda mentira se exaure. Toda farsa, um dia, colapsa. Só que aqui, quando tudo desmorona, quando o poço chega ao limite, não encontramos luz. Encontramos um novo mecanismo de opressão, um novo degrau para a submissão coletiva. E seguimos caindo, porque no Brasil, quando pensamos que chegamos ao fim, descobrimos que há sempre mais chão para cavar.
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