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      Sara Goes

      Sara Goes é âncora da TV247, comunicadora e nordestina antes de brasileira

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      A sopa, a onça e o presidente Lula

      Lula carrega nas costas um país que finge não depender mais dele, mas que não sabe andar sem sua bússola

      Luiz Inácio Lula da Silva (Foto: Ricardo Stuckert/PR)

      Uma onça parda foi encontrada morta na beira de uma estrada no interior do Ceará. Moradores, sem hesitar, recolheram partes do corpo do animal e levaram para casa. Com os restos, fizeram sopa. Sim, sopa de onça. A cena, ao mesmo tempo grotesca e reveladora, escancara um modo de sobrevivência que beira a barbárie, mas também simboliza algo maior, algo que atravessa o sertão e chega direto à Praça dos Três Poderes.

      No Brasil de agora, não é só a fome literal que assombra. É a fome simbólica. A fome política. Uma espécie de canibalismo discursivo, onde todos os grupos parecem disputar pedaços do mesmo corpo. Lula se tornou essa carcaça exposta. Presidente em exercício, mas também entidade devorada. Alimenta a extrema direita, que precisa dele como inimigo onipotente. Alimenta o centrão, que mastiga sua governabilidade. Alimenta a esquerda acadêmica, que exige dele pureza doutrinária. Alimenta a esquerda mística, que quer ver lágrimas e profecias. Alimenta até setores do próprio campo progressista, que não o perdoam por ser humano em vez de mito.

      Desde os anos 80, a esquerda tenta produzir um herdeiro político para Lula. Já tentaram forjar um sucessor que o superasse no carisma, na experiência ou na retórica. Nenhum resistiu. Uns afundaram no tecnocratismo. Outros se perderam na vaidade. Nenhum sobreviveu à comparação com a figura que eles próprios ajudaram a construir como insuperável. A mesma esquerda que o chama de pai fundacional sonha com sua aposentadoria. Mas sonha com medo. Porque se Lula ainda está vivo, é porque ninguém foi capaz de ocupar seu lugar.

      E talvez seja essa a tragédia. Lula virou a sereia estendida na areia, descrita em A Novidade, dos Paralamas. Metade milagre, metade banquete. Objeto de desejo e de fome. Beleza suspensa entre o sagrado e o utilitário. Os que um dia o exaltaram por suas conquistas agora duelam para decidir se ainda merece crédito. Uns querem seus beijos de deusa. Outros só querem o rabo para ceia. O mesmo corpo que antes inspirava canções agora é estraçalhado por quem precisa sobreviver à própria frustração.

      No meio dos esmerados em desossá-lo, há ainda os que preferem conservá-lo. Desde que empalhado. São os que o reduzem a uma fábula edificante, sempre apelando ao ado de retirante nordestino, como se sua intelectualidade fosse um subproduto instintivo, e não uma elaboração crítica e política sofisticada. Transformam sua trajetória em um enredo biográfico sem conflito, domesticado, ornamental. O mesmo expediente que meu colega Mário Vitor Santos observou na construção simbólica de Pepe Mujica, convertido em ídolo velhinho, conselheiro fofo, desprovido de tensão histórica. Lula, nesse enquadramento, não precisa mais pensar nem governar. Basta existir como lembrança.

      Enquanto isso, o presente arde. Lula viajou à China e selou acordos comerciais históricos. Tratou de soberania, tecnologia, multipolaridade. Falou como um líder do Sul Global. Mas ninguém prestou atenção. A manchete foi outra. Uma fake news grosseira sobre Janja virou pauta central. Espalhou-se a história de que ela teria causado desconforto com Xi Jinping ao mencionar o TikTok. Nenhum vídeo, nenhum áudio, nenhum indício. Mas bastou. Em poucas horas, a suposta gafe da primeira-dama eclipsou os tratados firmados entre duas potências. Era como se a sereia abrisse a boca para falar e todos se concentrassem apenas no movimento de sua cauda.

      É o projeto deliberado da velha imprensa de impedir que o país enxergue o próprio avanço. Globo, Folha e Estadão não erram por distração. Sabem exatamente o que fazem. Como apontado em editorial recente do Brasil 247, essas casas editoriais se converteram nos maiores entraves ao desenvolvimento nacional. Não porque neguem os fatos, mas porque os omitem com método. Sabotam o debate com silêncio. Esvaziam com editoriais. E quando não podem ignorar, preferem ridicularizar.

      Foi o poeta que sonhava em cantar o milagre risonho. Mas o esfomeado venceu. Despedaçou a imagem, escarneceu do gesto, descartou o conteúdo.

      No meio desse ritual antropofágico, Lula segue. Carrega nas costas um país que finge não depender mais dele, mas que não sabe andar sem sua bússola. É cobrado como um jovem em início de carreira e esvaziado como um velho que já não serve. O que ele faz nunca basta. O que ele não faz vira acusação. A novidade era ele. Ainda é. E justamente por isso, precisa ser sacrificado de novo e de novo. Em praça pública. Em mesa de jantar. Em feed de rede social.

      * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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