Acossado
Todo dia 500 celulares são roubados em São Paulo
Os sinos da igreja de Santa Cecília anunciam: o dia se foi. Há pouco era hora do almoço e agora já são seis da tarde. Porém, naquela sexta-feira não é só o tempo que foge.
Na rua das Palmeiras, ainda ao som das badaladas, um rapaz corre pelo asfalto. Livre do movimento dos pedestres, ele avança com adas longas no sentido oposto aos carros.
Será um atleta? Só mais um paulistano atrasado? Ou ele está em fuga?
Short, camiseta, pés descalços, o corredor me traz outras dúvidas quando vejo as maçãs de seu rosto vermelhas e o corpo encharcado de suor: está vencido pelo cansaço ou ainda tem fôlego guardado, como aqueles maratonistas que nos metros finais disparam rumo à vitória?
O balconista da farmácia olha assustado, a vendedora de móveis vem para calçada, o açougueiro se afasta de sua costela de ripa. O homem a impetuoso e a gente da Vila Buarque lhe crava os olhos, dos calcanhares à aba do boné.
- É ladrão!
- Correndo desse jeito coisa boa não é.
- Um galalau daqueles “devia era de tá trabalhando”.
O suspeito evapora entre carros e pessoas. A certeza de mais um roubo desponta em segundos e é de carne e osso. Um homem mais velho e mais pesado é a vítima. Calça de tergal um tanto frouxa, sapato bico fino, uma pasta embaixo do braço, ele também corre pela rua. Acelera o pouco que pode, está ofegante, mas não desiste.

Um bêbado, a jovem que distribui panfletos; e também o zelador do prédio, o segurança do mercado, o desocupado, todos comentam como se fizessem parte de uma mesa-redonda, dessas de futebol.
- Certeza, o ladrão levou o celular dele.
- Vai limpar a conta e fazer um monte de pix.
- A gente perde tudo, contatos, fotos...
- Já me levaram três telefones.
- Coitado do homem.
Então, eles se calam, olhos se arregalam.
A mãe aperta o bebê contra o peito. A estudante levanta o cachorro. O aposentado se encosta na parede.
Todos se assustam quando um carro da polícia sobe a rua das Palmeiras pela contramão!! Sexta-feira, seis da tarde, a hora da ave-maria é também a hora do perigo.
Os motoristas tentam abrir caminho, mas é quase impossível. Os policiais batem com as mãos na viatura, a sirene ensurdece a rua. Jovem e alto, como o suposto larápio, o policial do banco do carona sai armado e vai até um motoboy. Quer carona para continuar a perseguição. O motoboy aceita – acho que não havia outra opção...
O policial se encaixa entre as costas fartas do entregador e o baú das encomendas. A moto parte como um raio naquele fim de tarde alaranjado.
Na calçada, a bolsa de apostas.
- Agora pega! Quer valer quanto?
- Ah meu filho, quando a polícia quer, prende na hora.
- Sei não, o malandro é liso.
Sirene e sinos silenciam, a rua volta à sua rotina, sigo a caminho do cinema. Impossível não lembrar que quando o diretor de um filme quer prender a atenção do público inventa uma perseguição. De carro, de gente, de bicho, de fantasma.
Na noite quieta e na mesma rua das Palmeiras, volto pra casa com o celular guardado e o pescoço ereto. Livre da telinha colorida, vejo a vida que vem pela frente, com suas histórias e correrias de todo dia.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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