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      Reynaldo José Aragon Gonçalves

      Reynaldo Aragon Gonçalves é jornalista e pesquisador do Núcleo de Estudos Estratégicos em Comunicação, Cognição e Computação (NEECCC) e do INCT em Disputas e Soberania Informacional.

      30 artigos

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      As pílulas mágicas de soluções incríveis para o grande problema comunicacional

      O país vive uma crise comunicacional estrutural. As soluções fáceis não resolvem. É preciso pensar além das pílulas mágicas e das saídas apressadas

      As pílulas mágicas de soluções incríveis para o grande problema comunicacional (Foto: Arquivo pessoal)

      Por Reynaldo Aragon e Sara Goes - O Brasil tem, de fato, um grande problema comunicacional. A desinformação, as fake news e a manipulação da opinião pública se tornaram desafios que exigem respostas rápidas e eficientes. No entanto, as soluções que surgem frequentemente, embora bem-intencionadas, parecem simplistas e não endereçam as questões estruturais mais profundas. Vamos analisar algumas dessas propostas.

      1. Letramento midiático: o caminho para uma maior consciência, mas...

      O letramento midiático é, sem dúvida, uma solução importante. Ensinar as pessoas a entenderem como as informações circulam e como distinguir notícias falsas das verdadeiras é essencial. No entanto, para que essa proposta tenha impacto real, é preciso refletir sobre dois pontos cruciais: a educação básica no Brasil ainda enfrenta enormes desafios, e muitos daqueles que mais precisam desse letramento estão distantes das ferramentas necessárias. Além disso, não podemos perder de vista o fato de que a alfabetização midiática precisa ir além da simples compreensão de como as notícias são produzidas. É essencial também trabalhar a conscientização sobre as formas sutis de manipulação de opinião que estão cada vez mais presentes nas plataformas digitais. Diversos estudos apontam que ações baseadas apenas em letramento midiático tradicional enfrentam dificuldades como baixa capilaridade, efeito limitado em públicos vulnerabilizados e pouca eficácia diante da velocidade com que conteúdos desinformativos circulam nos ambientes digitais - onde práticas de atuação após a mentira espalhada atuam, debunking - nem sempre alcançam quem mais precisa.Além disso, iniciativas descoladas de contextos territoriais e que ignoram as estruturas psicossociais do comportamento informacional tendem a reforçar sistemas de crenças pre-existentes ao invés de rompê-los. O cenário atual indica a necessidade de intervenções mais sofisticadas, baseadas em estudos aplicados no campo da cognição, da comunicação estratégica e da inteligência artificial, capazes de atuar diretamente nos circuitos de viralização da desinformação, na arquitetura das plataformas e nas vulnerabilidades cognitivas exploradas por grupos extremistas. A urgência, afirmam, é construir modelos que não apenas eduquem, mas que também intervenham — com base científica — nas engrenagens da desordem informacional contemporânea, incorporando estratégias de prebunking (vacinas comunicacionais) capazes de antecipar e neutralizar os efeitos da manipulação antes que ela se instale.Apesar de fundamentais, as iniciativas de letramento midiático e digital ainda enfrentam sérias limitações diante da complexidade do fenômeno da desinformação contemporânea. Grande parte dessas ações parte do pressuposto de que a má informação se combate apenas com instrução racional e análise crítica, desconsiderando o fato de que estamos inseridos em ecossistemas informacionais nos quais estímulos condicionantes são continuamente repetidos, reforçados e naturalizados. Esse processo molda o comportamento coletivo de maneira imperceptível e cumulativa, transformando crenças individuais em consensos sociais manipulados. O crescimento de movimentos conservadores ao longo da última década — tanto no Brasil quanto em diversos países — é resultado direto da ação coordenada de algoritmos, estratégias de guerra cultural e operações psicológicas sofisticadas, que conseguiram reconfigurar afetos, valores e percepções políticas por meio de narrativas emocionais e conteúdos aparentemente banais, mas profundamente eficazes na reprogramação social. Enfrentar essa realidade exige mais do que alfabetização midiática: exige compreensão profunda dos mecanismos cognitivos, emocionais e tecnológicos que estruturam o atual regime de desinformação.

      2. Regulação das mídias: um o necessário, porém… 

      A regulação das big techs surge como uma proposta fundamental para enfrentar os desafios da desinformação. A responsabilização das plataformas pela disseminação de conteúdos prejudiciais ao estado democrático de direito é uma medida importante. No entanto, diante da correlação de forças atual — e da que se avizinha — é preciso reconhecer que dificilmente será possível implementar uma regulação robusta e justa sem construir algum tipo de diálogo, ainda que tenso e assimétrico, com os próprios intermediários digitais. Não se trata de uma escolha ideológica, mas de uma urgência pragmática. Enquanto isso, é fundamental garantir que qualquer avanço regulatório não se converta em instrumento de sufocamento da mídia independente, que já opera em condições adversas de financiamento e visibilidade. Essa é, talvez, nossa principal trincheira hoje: assegurar o espaço mínimo de existência para as vozes alternativas em meio à guerra informacional em curso.

      O desafio é criar um modelo de regulação que seja eficaz no combate à desinformação, mas que também preserve a liberdade de expressão e a diversidade midiática.

      3. Desenvolvimento de plataformas soberanas: um desafio complexo

      A criação de plataformas soberanas tem sido apontada como uma resposta necessária à dependência das grandes corporações tecnológicas. A ideia de desenvolver redes sociais ou espaços digitais próprios, longe dos monopólios globais, é sem dúvida instigante. No entanto, a concretização dessa proposta revela-se mais complexa do que parece à primeira vista.

      Após o fenômeno DeepSeek, que trouxe à tona a necessidade de soberania digital, muitos estados e grupos organizados começaram a anunciar projetos e ideias de inteligência artificial próprias, com promessas de plataformas nacionais. Embora a ideia de desenvolver essas tecnologias seja legítima, o que se viu em muitos desses casos foi uma competição mais saudável de nomes criativos e anúncios empolgantes, mas com pouco conteúdo concreto além de planos de curto alcance. Sem um planejamento realista e sem os recursos necessários para construir algo robusto, esses projetos acabam se perdendo na superficialidade da inovação.

      Para além das promessas institucionais, é fundamental olhar com atenção para os caminhos já trilhados por movimentos que há décadas apontam alternativas reais  e sustentáveis à lógica concentradora das big techs: cultura hacker, software livre, criptografia ativista, tecnodemocracia, infraestrutura comum… formam um ecossistema de práticas e valores que pode e devem orientar o investimento público e coletivo em tecnologias verdadeiramente emancipadoras. Trata-se de ir além de “criar nossas plataformas”, mas construir infraestruturas informacionais soberanas alinhadas à democracia. 

      Além disso, mesmo que tais plataformas sejam viáveis no futuro, há uma questão central que não pode ser ignorada: como garantir que esses novos espaços não sejam capturados por interesses políticos ou privados, como ocorre com as grandes corporações tecnológicas hoje? A transparência na governança dessas plataformas e a sua capacidade de assegurar a pluralidade de vozes será fundamental para que realmente possamos falar em uma comunicação soberana e democrática. Soma-se a isso o desafio da capilaridade: essas plataformas precisam alcançar territórios e populações diversas, respeitando suas dinâmicas locais, já que, no Brasil, as redes digitais não são apenas espaços de circulação de informação, mas fazem parte da própria estrutura econômica e social — mediando desde o o a benefícios até formas de trabalho, consumo e participação cívica. Ainda, é preciso reconhecer que a criação de plataformas alternativas, se não for acompanhada de políticas de integração e abertura ao diálogo, pode inadvertidamente reforçar a lógica da polarização e aprofundar a fragmentação do debate público, alimentando a formação de nichos informacionais fechados, onde se reforçam visões de mundo homogêneas e pouco permeáveis à divergência.

      Portanto, a criação de plataformas soberanas, embora pareça uma solução interessante, é um desafio imenso que exige mais do que boas intenções ou ideias criativas. Precisamos de soluções sustentáveis, com base em recursos concretos e em um compromisso real com a liberdade de expressão e a democracia digital.

      4. Cortar cabeças: a mudança de cargo não soluciona tudo

      Culpar o governo federal pela fragilidade da esquerda frente ao domínio da extrema-direita nas redes sociais é, além de um erro estratégico, um gesto de covardia política. O governo é uma instituição de Estado, não um aparelho de disputa ideológica a serviço de um campo específico. Esperar que ele utilize a máquina pública para combater diretamente os grupos extremistas da mesma forma como foi instrumentalizada pelo bolsonarismo é inverter os princípios que sustentam a democracia. A Secretaria de Comunicação (SECOM) tem por função comunicar os feitos do governo, dar transparência às ações institucionais e prestar contas à sociedade — não travar guerra ideológica em nome de uma militância que precisa, ela própria, assumir sua responsabilidade histórica.

      É necessário compreender que o combate à extrema direita nas redes não será vencido por decreto, nem por comunicados oficiais ou campanhas governamentais centralizadas. A força da máquina bolsonarista não reside apenas no poder institucional que deteve — e que perdeu —, mas sim na sua capacidade de articular uma militância orgânica, enraizada, disciplinada e permanentemente mobilizada, mesmo na ausência do poder de Estado. Hoje, mesmo fora do governo, essa base segue ocupando os espaços digitais, disseminando desinformação, produzindo narrativas com apelo afetivo e capturando segmentos sociais com promessas fáceis e discursos de ódio altamente performáticos.

      Diante desse cenário, a tarefa de construir uma resposta proporcional e eficaz não pode recair sobre o governo federal. Ela cabe à militância popular, aos partidos progressistas, aos movimentos sociais, aos sindicatos, aos coletivos culturais e às organizações de base. São esses atores que precisam erguer trincheiras firmes e permanentes no terreno digital, entendendo que a batalha não é episódica, mas sim de longo prazo. Construir redes de apoio, investir em formação política, fortalecer canais independentes e disputar os corações e mentes.

      GovBr, uma luz no fim do túnel

      O Brasil possui, hoje, uma das maiores bases de dados integradas do planeta, gerida por um sistema digital público que concentra interações cotidianas com milhões de cidadãs e cidadãos. Com 166 milhões de usuários ativos em abril de 2025, a plataforma Gov.br tornou-se, em termos técnicos e operacionais, uma das maiores infraestruturas digitais públicas do mundo. Esse alcance massivo e transversal, somado à credibilidade institucional que carrega, oferece ao Estado brasileiro uma oportunidade histórica: transformar esse espaço em um verdadeiro ecossistema de comunicação estratégica, formação crítica e proteção informacional da cidadania. Trata-se de um terreno fértil, único em escala global, para o desenvolvimento de políticas públicas que articulem tecnologia, educação e soberania informacional.

      No entanto, essa potência permanece subutilizada diante do grau de desinformação que atravessa a sociedade brasileira e dos riscos reais que a guerra informacional representa para a democracia, especialmente quando se considera a sofisticação das campanhas de manipulação promovidas pela extrema-direita digital. É urgente que o Gov.br vá além da oferta de serviços e e a incorporar, de forma estruturada e baseada em evidências científicas, intervenções voltadas ao letramento midiático, ao prebunking, à pedagogia digital e à conscientização pública sobre os riscos do discurso de ódio, das fake news e das operações psicológicas que corroem o debate público.

      Ambientes gamificados, narrativas interativas, cursos modulares, alertas educativos, ferramentas de autoavaliação informacional e campanhas transversais de comunicação crítica poderiam ser integrados à plataforma como política pública de soberania cognitiva. Com isso, o governo não apenas se aproximaria da população de forma mais eficaz e pedagógica, mas também construiria uma infraestrutura permanente de defesa democrática contra a captura algorítmica e o avanço tecnopolítico das redes de desinformação. Ao mesmo tempo, essa transformação abriria caminho para que universidades públicas, institutos de pesquisa e centros de ciência e tecnologia em a utilizar essa estrutura como campo de investigação e inovação voltado ao bem comum, fortalecendo o elo entre conhecimento acadêmico, políticas públicas e cidadania digital.

      * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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