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      Ivan Rios

      Sindicalista, historiador, crítico de cinema, escritor, membro do Comitê Baiano de Solidariedade ao Povo da Palestina, graduando em Direito, militante dos Movimentos de Promoção, Inclusão e Difusão Cultural no Estado da Bahia

      44 artigos

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      NecroBahia: a sinfonia do absurdo

      Banda invoca o caos com poesia delirante em nome da insurreição existencial

      Guitarra (Foto: Gerada por IA/DALL-E)

      Sob o sol escaldante de Salvador, onde o calor parecia ser uma conspiração cósmica para derreter almas, Josué caminhava como um profeta apocalíptico, envolto em seu sobretudo negro, desafiando não apenas a lógica climática, mas também a sanidade coletiva. Ele era uma figura que parecia ter escapado de um sonho febril de Salvador Dalí, com sua maquiagem cadavérica que misturava o grotesco e o sublime, como se Secos & Molhados tivessem feito um pacto com o próprio Lúcifer.

      Josué não era apenas um homem; ele era um arquétipo jungiano ambulante, uma manifestação viva do "Sombra" que Carl Jung tanto explorou. Sua obsessão por Euronymous transcendeu o fanatismo. Para ele, o guitarrista do Mayhem não era apenas um mártir, mas um avatar do caos primordial, um Prometeu negro que roubou o fogo da escuridão para iluminar os abismos da alma humana. A morte de Euronymous pelas mãos de Varg Vikernes era, para Josué, uma tragédia épica digna de Shakespeare, um ato que selou o destino da humanidade em um ciclo eterno de trevas e redenção.

      NecroBahia, a banda que Josué fundou, era mais do que um experimento musical; era uma distopia sonora, um grito de guerra contra a mediocridade existencial. Djalma, o baterista, era um paradoxo em si: um mestre do swing pagodeiro que, ao tocar Black Metal, criava uma cacofonia que parecia uma batalha entre o samba e o fim do mundo. Tonho, o guitarrista, era um poeta maldito, um alquimista das palavras que transformava tragédias pessoais em hinos de desespero. Suas letras eram como fragmentos de sonhos quebrados, carregadas de simbolismo e dor:"Minha alma é um ovo cósmico, rachado pelo martelo do destino." "Ela fugiu com o vendedor de ilusões, deixando-me apodrecer nas sombras do esquecimento." "Necropolítica do amor: onde corações são abatidos como gado em um matadouro celestial”.

      E então havia Júnior, o baixista, cuja desconexão com a realidade era quase uma falha na matriz. Ele parecia um androide defeituoso, incapaz de acompanhar o ritmo, mas sua dissonância adicionava uma camada de surrealismo que transformava cada apresentação em um espetáculo onírico.

      As performances da NecroBahia eram um delírio coletivo, uma ópera distópica onde Nietzsche dançava com Augusto dos Anjos sob a luz de um letreiro pulsante. Josué, com sua voz rouca e desesperada, gritava contra a "tirania do calor, da bíblia e da bala", enquanto o público, uma massa de curiosos e desavisados, oscilava entre o êxtase e a perplexidade. Era como se a banda fosse um portal para um universo alternativo, onde a lógica era subvertida e o absurdo reinava supremo.Josué, na verdade, não era apenas um profeta do Black Metal, mas uma entidade errante em uma busca eterna pela verdade — uma verdade que, como no monólito de 2001: Uma Odisseia no Espaço, revelava-se apenas aos que ousavam encará-la sem temor. Como os primatas de Kubrick, ele sentia que havia algo além do véu da realidade cotidiana, algo que pulsava e gritava no silêncio cósmico, e que podia ser alcançado somente através da escuridão absoluta.Cada acorde distorcido da NecroBahia soava como um eco dos dilemas que sempre moveram a humanidade: a luta entre o destino e a liberdade, a imposição do sistema contra o impulso anárquico do espírito. Ele se via como um Zaratustra moderno, descendo da montanha para proclamar o fim das ilusões, mas encontrando apenas um público incapaz de compreender sua mensagem, tal como o replicante Roy Batty, em seus últimos momentos de consciência, vendo suas memórias dissiparem-se como lágrimas na chuva.

      A Salvador que Josué percorria era um recorte fragmentado de um futuro distorcido, uma mistura de neon queimado pelo sol e ruínas pós-modernas da esperança. Cada esquina carregava ecos de um ado que nunca ou e de um futuro que nunca chega. Assim como o Blade Runner Rick Deckard, Josué se perguntava se sua própria existência era genuína ou apenas um conjunto de fragmentos de sonhos de outras pessoas, costurados em sua pele por um destino irônico.

      Os dilemas da humanidade se manifestavam em cada olhar perdido que ele encontrava, em cada rosto iluminado apenas pela luz das telas de celulares, em cada grito sufocado por promessas de felicidade instantânea. Enquanto os deuses modernos eram construídos em algoritmos e o destino se escrevia em códigos binários, Josué sentia-se cada vez mais deslocado, um artefato arcaico em uma sociedade que já não sabia reconhecer os verdadeiros espectros da realidade.

      Talvez, no fundo, toda sua cruzada fosse apenas uma tentativa de se conectar com algo maior que ele, de encontrar significado em um mundo saturado de ruído e vazio. A música era seu rito, sua prece, sua maneira de questionar a essência da existência. Mas, como os grandes profetas da humanidade, ele sabia que estava condenado a ser um mensageiro sem ouvintes, um rebelde sem causa, um sobrevivente à margem da própria história.

      E assim, Josué marchava como um espectro perdido entre eras, na esperança de que, em algum instante fugaz, sua voz se tornasse mais do que um eco no abismo. Talvez, em uma última nota de distorção, ele finalmente compreendesse que o sentido da vida não estava na resposta, mas na pergunta — e que a pergunta jamais poderia ser verdadeiramente respondida.

      * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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