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      Alex Solnik

      Alex Solnik, jornalista, é autor de "O dia em que conheci Brilhante Ustra" (Geração Editorial)

      2721 artigos

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      O Elevador

      Trecho de uma peça de teatro. O que acontece quando um velho jornalista de esquerda e um jovem youtuber de direita ficam presos num elevador?

      Atos de bolsonaristas perto do Quartel-General do Exército, no Distrito Federal (Foto: TV Globo/Reprodução)

      CENA 1

      Dia 7 de Setembro. Elevador parado no térreo. Barulho de trovões e temporal. Entra um jovem de 25 a 30 anos, enrolado na bandeira nacional. Mochila nas costas. Em seguida, um senhor de uns 60 anos, com terno e gravata, entra esbaforido e visivelmente bêbado. Trilha musical: “Stella by starlight”, com Ray Charles.

      O SENHOR

      Poderia apertar o 21 pra mim, por favor?

       O JOVEM

      Já apertei. É o meu também.

      O SENHOR

      Por que está enrolado na bandeira?

      O JOVEM

      Sou patriota. Sou Bolsonaro.

      O SENHOR

      Então o senhor errou de bandeira. Porque a bandeira dele é a dos Estados Unidos. Ele é fantoche do Trump. Ele e toda a família. O filho já mudou para lá. E, de mais a mais, onde está escrito que basta se enrolar na bandeira para ser patriota?! Parece que o senhor bebe! Bandeira não é cobertor. Tem que ficar tremulando, hasteada nos edifícios, não enrolando manés como você. Você está desrespeitando a bandeira!

      O JOVEM

      Epa! O que foi isso? 

      O SENHOR

      Parece que essa merda parou. Graças a Deus! Quero deixar bem claro que não acredito em Deus.

      O JOVEM

      Caralho! Ainda faltam dez andares! Cadê o zelador? (Pega o celular, tecla.) Não atende. Alô, Mário! Meu amor, estou preso no elevador no meio desse temporal. Por favor, faça alguma coisa, chama os bombeiros! Estou aqui no prédio da Jovem Pan, na Paulista. (Desliga.)                         

      O SENHOR

      O senhor está bêbado? Eu olho para o senhor e vejo o senhor girando. E o elevador também está girando.

      O JOVEM

      Eu não bebo álcool. Sou abstêmio.

      O SENHOR

      Ah, bom! Folgo em saber que você não está bêbado… se estivesse eu não subiria com você, porque tenho medo de elevador… e de bêbado… você não tem?... Tudo o que sobe, desce… tudo o que sobe, cai… bêbado fica alto… e tudo que sobe, cai… bêbado só dá problema… Principalmente quando são dois bêbados… Uma vez, dois bêbados encontraram 50 reais na rua. O primeiro disse: “Vamos comprar 45 reais de cachaça e 5 reais de pão”. O segundo contestou: “Você é louco? Pra que isso tudo de pão?” (Ri muito.) Já que estamos parados mesmo, ouve mais essa. Um bêbado vai à delegacia e o delegado pergunta: “Você também estava na confusão?” E o bêbado: “Não, senhor!” “Então por que você está aqui?” “É porque os policiais chegaram e gritaram: “Cana pra todo mundo”, então eu vim”.

      O JOVEM (ao telefone)

      Mário, eu já chamei o zelador e o caralho a quatro! Não tem ninguém! Feriado, né? Estou no mato sem cachorro! Pior: trancado no elevador com um bêbado chato!

      O SENHOR

      Quem está bêbado? Tem algum bêbado aqui?

      O JOVEM

      Claro, vou postar tudo no instagram, meu amor! O que? Você também está sem energia? Deu apagão? Puta que pariu! 

      O SENHOR

      Boa notícia! Viva o apagão! Quanto mais tempo durar, melhor!

      O JOVEM

      Melhor o caralho! Estamos presos aqui, sem ar! Estão me esperando! Minha entrevista de emprego! O melhor emprego da minha vida! Minhas redes vão bombar!

      O SENHOR

      Para acalmar o senhor vou contar mais uma piada. Preste atenção! O guarda para o motorista que dirigia o carro em zigue-zague. “Onde o senhor vai?” pergunta o guarda. “Vou assistir a uma palestra sobre os efeitos do álcool no corpo humano”. “E quem vai dar uma palestra a essa hora da madrugada”? “Minha mulher”.  (Ri muito.) O que há com você? Tá de mau humor? Não adianta nada ficar emburrado. Estamos os dois fudidos. Podemos até morrer sufocados. E não podemos fazer nada! Que merda! Vou morrer ao lado de uma pessoa insignificante como você! Que triste fim! (Muda de ideia.) Mas tem um lado bom. Vou morrer, mas não serei demitido! Eles me chamaram em pleno feriado! Só pode ser para me demitir! Rua! Pelo menos não vão me demitir! Não dá pra demitir um cadáver! Daria uma bela manchete: “Demitido o cadáver de um jornalista”.

      O JOVEM

      Jornalista??? Pensei que já tinham morrido todos, como os dinossauros, sendo que os dinossauros não fizeram um décimo do mal que vocês fazem à humanidade. Ninguém precisa de vocês. Vocês mentem, mentem, mentem. Não servem para nada. Nem para tirar a gente de um elevador do caralho! Fuck you, jornalista! Conheço bem a tua raça! Tenho jornalistas na família. Vocês não prestam! Globolixo! Agora é a nossa vez! Os influencers! Felipe Neto! Pablo Marçal! Você já era! Quantos seguidores você tem? Quantas visualizações tem as tuas lives? Quantas pessoas mandam dinheiro para você sem você dar em troca nada mais que apenas alguns conselhos? Ou bancar o justiceiro? Quantas? Todos os jornalistas serão demitidos. Ou vão morrer.  

      O SENHOR

      Também acho. Mas os bêbados são inocentes, são inofensivos, não ameaçam ninguém, não são golpistas, você já viu um bêbado dar um golpe? Os bêbados não dão golpe, os bêbados renunciam! Sabe por que o Jânio renunciou? Dizem que foi para voltar nos braços do povo. Queria ser ditador. Mentira! Renunciou para beber em paz! Bêbado não consegue fazer planos, quanto mais executar, bêbado só quer saber de beber mais, e ninguém mata ninguém enquanto bebe, os bêbados são tão inocentes quanto as crianças. Os bêbados deveriam ser canonizados… eles não matam os outros, eles se matam… só isso… o que não atrapalha ninguém…

       O JOVEM (no celular)

      Alô, é do gabinete da Zambelli? Eu tenho o celular, mas ela não atende, é uma emergência, estou correndo risco de vida… está incomunicável? Julgamento? Merda! (Desliga.)

       O SENHOR

      Eu ouvi bem? Você falou “Carla Zambelli”? Aquela que saiu atrás de um sujeito apontando revólver aqui nos Jardins? Você é amigo da Zambelli???

      * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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