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      Ivan Rios

      Sindicalista, historiador, crítico de cinema, escritor, membro do Comitê Baiano de Solidariedade ao Povo da Palestina, graduando em Direito, militante dos Movimentos de Promoção, Inclusão e Difusão Cultural no Estado da Bahia

      44 artigos

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      “O Eternauta”: a filosofia do caos e os fantasmas da história

      O Eternauta surge como um lembrete da importância da resistência e da consciência crítica

      O Eternauta (Foto: Netflix / Divulgação)

      O cinema de ficção científica sempre serviu como um espaço privilegiado para a especulação sobre o futuro e, por vezes, para uma análise crua do presente. Na adaptação de O Eternauta pela Netflix, essa vocação atinge um patamar elevado, transformando uma narrativa apocalíptica em um profundo debate filosófico/existencialista e político sobre identidade, resistência e poder. Baseada na clássica graphic novel argentina de Héctor Germán Oesterheld e Francisco Solano López, a obra ultraa os limites da ficção científica convencional e se posiciona como um manifesto cinematográfico contra o obscurantismo e a alienação.


      Desde sua criação, O Eternauta foi concebido como muito mais do que uma história de invasão alienígena. Juan Salvo, o protagonista, é o oposto do herói clássico: não é excepcional, nem predestinado ao triunfo, mas um homem comum lançado em um abismo de incerteza. Essa ideia de um protagonista que não busca glória, apenas sobrevivência, dialoga profundamente com a filosofia existencialista de Jean-Paul Sartre e Albert Camus, onde a única resposta possível ao absurdo do mundo é a ação consciente. A nevasca tóxica que inicia a história, elemento que poderia ser puramente narrativo, assume um papel simbólico central: representa o apagamento da memória e a dissolução das certezas, obrigando os personagens a reconstruírem seu próprio sentido de existência a partir dos escombros.


      A obra opera em múltiplos níveis de significação, utilizando a estética cinematográfica como ferramenta para reforçar sua mensagem filosófica. A fotografia gélida e a paleta desaturada evocam um ambiente de alienação profunda, onde os personagens parecem prisioneiros de uma realidade em colapso. A câmera, frequentemente fechada sobre rostos tensos, sugere uma clausura psicológica—uma prisão da mente tanto quanto do corpo. Esse recurso visual remete ao expressionismo alemão, onde sombras e enquadramentos desorientadores eram utilizados para representar estados psicológicos extremos.


      O conceito de tempo dilatado, tão característico das obras de Andrei Tarkovsky, também se faz presente. A montagem evita cortes rápidos e explosões narrativas gratuitas, optando por uma cadência lenta que reforça a sensação de inevitabilidade. Nada acontece de forma brusca; a tensão é construída com o peso de cada decisão, refletindo a angústia dos personagens diante de um destino que não podem controlar. Essa abordagem cinematográfica reforça a ideia de que o horror maior não reside apenas na invasão alienígena, mas no sentimento de impotência diante das forças invisíveis que comandam a realidade.

      O Poder e a Submissão

      Se há um fio condutor claro em O Eternauta, ele está na crítica à dominação invisível. A invasão alienígena, longe de ser um espetáculo de destruição convencional, baseia-se na sujeição mental e no controle silencioso dos corpos. Os "homens-robô", humanos transformados em instrumentos das forças invasoras, materializam um conceito caro à filosofia de Michel Foucault: o poder não precisa ser exercido com brutalidade, mas pode agir de maneira discreta, disciplinando o pensamento, moldando comportamentos, apagando identidades.
      Essa submissão imposta remete à biopolítica, onde os corpos são regulados e convertidos em peças de um sistema maior. A transformação dos humanos em servos inconscientes dos invasores é uma metáfora clara para o conceito de alienação marxista. A sociedade retratada na série não é composta por indivíduos livres, mas por seres cuja autonomia foi eliminada, reduzidos a engrenagens de uma máquina opressora que se alimenta da obediência. Esse subtexto político, presente de forma sutil, mas implacável, coloca a obra em paralelo com distopias clássicas como 1984 e Brazil.

      O ado que Nunca Morre

      O impacto das ditaduras militares nas Américas é um espectro que ronda O Eternauta de maneira incontestável. A graphic novel foi escrita em um contexto de crescente repressão política na Argentina, e seu autor, Héctor Oesterheld, foi perseguido, sequestrado e desaparecido pela ditadura. A tragédia de Oesterheld confere à obra um status de testamento histórico—um lembrete do que ocorre quando a liberdade se torna supérflua e a opressão se instala como norma.
      A narrativa da invasão alienígena e do apagamento da resistência pode ser interpretada como um alerta contra o avanço das ideologias autoritárias que ainda persistem no mundo. Nos tempos atuais, marcados pelo crescimento da extrema-direita global e pela manipulação da percepção pública através da desinformação, O Eternauta ressurge como uma obra essencial. Seu retrato da alienação e da luta contra forças invisíveis se traduz para o presente, lembrando que o poder raramente se revela de maneira explícita—ele age sorrateiramente, dissolvendo memórias, reescrevendo narrativas, anulando consciências.
      O fantasma das ditaduras militares ainda assombra a América Latina. A disputa pela memória histórica e a tentativa constante de minimizar os crimes dos regimes autoritários são batalhas que continuam sendo travadas. O Eternauta é um chamado para que essas memórias não sejam apagadas, para que as vozes silenciadas encontrem ressonância. Assim como na HQ e na série, a luta contra a aniquilação do pensamento crítico é uma batalha contínua.

      Conclusão: A Luta que Nunca Termina

      Ao transformar uma história de ficção científica em um manifesto filosófico e político, O Eternauta reafirma seu lugar como uma das narrativas mais essenciais do século XXI. Sua abordagem cinematográfica sofisticada, aliada ao seu profundo subtexto existencial e político, faz com que a série transcenda o entretenimento e se torne um estudo sobre a condição humana.
      O espectador menos atento pode enxergar apenas um thriller apocalíptico, mas aqueles que se dispõem a ler nas entrelinhas encontram uma obra que dialoga com o ado e aponta para o futuro. Em tempos de manipulação midiática, avanço de ideologias autoritárias e apagamento da memória coletiva, O Eternauta surge como um lembrete da importância da resistência e da consciência crítica.


      A ficção, quando bem construída, ilumina verdades ocultas. E talvez seja por isso que O Eternauta permaneça vivo — porque seu recado nunca deixa de ser urgente.

      TÍTULO ORIGINAL: El Eternauta | Ano de Produção 2025 | Argentina
      DIREÇÃO: Bruno Stagnaro, renomado cineasta argentino conhecido por trabalhos como Okupas e Pizza, Birra, Faso

      ROTEIRO: Ariel Staltari, Bruno Stagnaro, Alicia Garcias, Gabriel Stagnaro, Martín Wain

      ELENCO: Ricardo Darín, Carla Peterson, César Troncoso, Andrea Pietra, Ariel Staltari, Marcelo Subiotto, Claudio Martínez Bel, Orianna Cárdenas, Mora Fisz, Aron Park, Gabriel Martín Fernández, Ricardo Merkin, Byron Barbieri, Pablo Cura, Claudia Schijman, Micaela Rey, Charly Velasco, Thiago Uriel Aguiar, Paloma Alba, Andy Luu, Jorge Sesán, Ricardo Federico García, Guillermo Jacubowicz, Joaquín Acebo, Dante Mastropierro, Bianca Olivetti, Lautaro Murúa, Cecilia Cambiaso, Daniela Pal, Mauricio Benítez, Raúl Esteban Gigena, Tomás Agustín Verge, Ernestina Gatti, Carlos March, Ramiro Vayo, Mercedes Barranus, Leandro Sandonato, Andrea Strenitz, Sebastián Carbone, Fabio Taphanel, Mercedes Moltedo, Valeria Alejandra García, Diego Julio Rubén, Jimena Carol, Agustín Chenaut, Augusto Scalise, Jesús Miseli, Mario Vidal, Marcelo Xicarts, María Noelia Bruno, Emilio De Feo, Mercedes Carbonella, Facu Baban, Aymará Abramovich.

      DISTRIBUIDORA: Netflix

      PRODUTORAS: K&S Films

      TEMPORADA: 1ª temporada

      DURAÇÃO: 325 min (dispostos em 6 episódios)

      SINOPSE: 

      Em uma noite de verão em Buenos Aires, uma misteriosa nevasca tóxica começa a cair, matando instantaneamente qualquer pessoa que entre em contato com os flocos de neve. Milhões de pessoas morrem, e os poucos sobreviventes precisam se abrigar rapidamente. Juan Salvo, um homem comum, se vê no meio do caos e precisa proteger sua família. Junto com um grupo de sobreviventes, ele descobre que a nevasca mortal é apenas o primeiro ataque de uma invasão alienígena que ameaça exterminar a humanidade.

      Enquanto tentam entender o que está acontecendo, Juan e seus aliados enfrentam criaturas desconhecidas e forças invisíveis que parecem controlar a cidade. A única maneira de sobreviver é se unir e lutar contra a ameaça. Mas, à medida que os eventos se desenrolam, Juan percebe que sua jornada não será apenas pela sobrevivência, mas também pela verdade por trás da invasão e seu próprio destino.

      * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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