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      Sara York

      Sara Wagner York ou Sara Wagner Pimenta Gonçalves Júnior é bacharel em Jornalismo, licenciada em Letras Inglês, Pedagogia e Letras vernáculas. Especialista em educação, gênero e sexualidade, primeiro trabalho acadêmico sobre as cotas trans realizado no mestrado e doutoranda em Educação (UERJ) com bolsa CAPES, além de pai, avó. Reconhecida como a primeira trans a ancorar no jornalismo brasileiro pela TVBrasil247.

      93 artigos

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      Quando o inconsciente governa: demissões das ministras Nísia e Cida e a sombra que habita o poder

      As recentes demissões provocaram ondas de perplexidade e críticas entre movimentos feministas, acadêmicos e analistas políticos

      A ministra das Mulheres, Cida Gonçalves (Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil)

      A recente demissão de duas ministras - Cida Gonçalves (Ministério das Mulheres) e Nísia Trindade (Ministério da Saúde) - do governo Lula provocou ondas de perplexidade e críticas entre movimentos feministas, acadêmicos e analistas políticos. Mas, para além da narrativa técnica ou política, o episódio permite uma leitura simbólica e psicanalítica que nos leva às entranhas do poder - onde a razão cede espaço ao inconsciente e os desejos reprimidos operam silenciosamente.

      Segundo Carl Gustav Jung, criador do conceito de sombra, todos nós abrigamos aspectos de nossa personalidade que preferimos não reconhecer: impulsos, desejos e contradições que não se encaixam na imagem que construímos de nós mesmos. Essa "sombra" - rejeitada e projetada no outro - se torna um mecanismo perigoso quando não é reconhecida. Na política, ela se manifesta como moralismo seletivo, discursos públicos dissonantes das práticas privadas, e, principalmente, como a tentativa inconsciente de destruir aquilo que mais se teme dentro de si. Imaginem no meu caso, enquanto travesti e ex-cabelereira, quantas foram as histórias que escutei apenas por minha "condição" nao exercer crivo moral sobre os outros. Ao menos é assim que a maioria imaginaria.

      A história americana recente oferece exemplos clássicos: Rush Limbaugh, que vociferava contra usuários de drogas, revelou-se dependente químico; o pastor Ted Haggard, incansável contra os "pecados gays", envolveu-se com drogas e prostituição masculina; Eliot Spitzer, majestoso contra a prostituição, teve sua carreira destruída por… uma prostituta. Em todos esses casos, o que estava fora de controle não era o "mundo lá fora", mas a sombra interior, não elaborada, não reconhecida - e que cobra seu preço.

      E o que dizer de Donald Trump que se vendeu ao mundo como "O VENCEDOR" capaz de escolher o melhor profissional-líder, é o responsável por estar afundando seu país com o grandioso nome e empresário: Elon Musk! 

      Voltando ao Brasil: o afastamento de duas mulheres que ocupavam ministérios simbólicos e estruturantes revela mais do que uma reorganização política - pode ser lido como o retorno recalcado de um patriarcado mal resolvido. A estrutura política que se pretende progressista parece, em momentos-chave, ainda operar sob a lógica da projeção: sacrifica as figuras femininas (e o que elas representam) para reafirmar sua aliança com um centrão que encarna justamente o oposto dos valores proclamados por esses ministérios.

      Por que o poder, quando confrontado com figuras femininas potentes, desestabiliza-se? Que sombra é ativada por essas mulheres? O que seus corpos, suas vozes, seus modos de agir revelam sobre as fragilidades da masculinidade política hegemônica?

      A demissão de Cida e Nísia - ambas com trajetórias sólidas e resultados concretos - mostra que, mesmo em governos ditos aliados da equidade, a sombra patriarcal não foi ainda integrada. Ela se esconde sob a forma de pragmatismo, negociações, acordos "necessários", mas revela-se no gesto simbólico de retirar as mulheres do centro da decisão.

      Tal como no caso de Spitzer, há um risco real de que, ao tentar "conter" o que desafia o sistema (a voz das mulheres, a política do cuidado, a radicalidade do feminino), o próprio sistema acabe ruindo por dentro.

      A psicanálise tem me ensinado, ao longo dos anos, que integrar a sombra não é destruí-la, mas reconhecê-la, dialogar com ela e transformá-la em potência criativa. Na política, isso exige mais do que discursos: exige coragem ética e simbólica para manter mulheres em posições de decisão - não como cota ou ornamento, mas como estrutura viva de resistência, inteligência e reinvenção.

      Não há nada mais corrosivo do que ser tratada como exceção tolerada, e sendo quem sou - uma mulher travesti, avó, profissional e militante - posso afirmar: sempre me colocam nesse lugar. Ser vista como cota, como exceção que confirma a regra, é uma forma de violência simbólica que reatualiza o silenciamento.

      Se quisermos um Estado menos hipócrita, teremos que enfrentar a sombra que ainda rege muitos de seus atos - inclusive aqueles que, disfarçados de estratégia política, ignoram as experiências acumuladas de seus próprios eleitores. Porque o que está em jogo aqui não é apenas representação, mas a vida, o desejo e o futuro. E nada é mais inconsciente - e mais perigoso - do que um sistema que reprime aquilo que o poderia transformar.

      * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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