“Jacas são superalimento e devem ser protegidas pelo poder público” diz Instituto Mão na Jaca
Diante da crise climática e da crescente insegurança alimentar, a jaca emerge como símbolo de sustentabilidade urbana e combate ao desperdício
Beatriz Bevilaqua, 247 - Ela é grande, pegajosa, de cheiro marcante e sabor adocicado. A jaca não a despercebida. Originária da Ásia, foi trazida ao Brasil durante o período colonial, provavelmente por colonizadores portugueses vindos da Índia. No entanto, apesar de sua abundância, a jaca carrega até hoje um forte estigma cultural e por ter sido destinada à alimentação da população escravizada, foi marginalizada. Além disso, por se reproduzir com facilidade e ocupar espaço nas florestas, ou a ser chamada de “invasora” e até de “praga”, especialmente por técnicos ambientais que veem nela uma ameaça à biodiversidade nativa.
No entanto, o olhar sobre a jaca está se transformando com urgência. Diante da crise climática, da crescente insegurança alimentar e da necessidade de repensarmos nossos hábitos de consumo, a jaca emerge como símbolo de sustentabilidade urbana, soberania alimentar e combate ao desperdício.
Em entrevista no programa “Brasil Sustentável” da TV 247, Marisa Furtado e Pedro Lobão, criadores do Instituto Mão na Jaca, compartilharam sua visão de como ressignificar a fruta e utilizá-la como ferramenta para a transformação social e ambiental. O foco do Instituto é a segurança alimentar em um planeta em aquecimento, e como a jaca, um recurso frequentemente descartado, pode se tornar central nessa luta.
Desde sua fundação em 2014 no Rio de Janeiro, o Instituto tem trabalhado para promover o aproveitamento das jacas urbanas. Essas árvores, frequentemente vistas como incômodas, são aproveitadas para ações de educação socioambiental, capacitação profissional e geração de renda, especialmente entre populações vulneráveis. “A jaca nunca foi plenamente incorporada à cultura alimentar brasileira. Nosso trabalho é mudar isso, fazendo dela um pilar da gastronomia popular e, ao mesmo tempo, combatendo o desperdício”, explica Marisa Furtado.
Desde o início de suas atividades, o Instituto já doou 19,5 toneladas de jaca, todas contadas, pesadas e registradas, beneficiando milhares de pessoas com esse recurso nutritivo e abundante. Além de valorizar o alimento, a ação fortalece uma relação mais íntima entre a população e as árvores urbanas, estejam elas nos quintais, calçadas, praças ou mesmo em unidades de conservação. A proposta é clara: aproximar as pessoas da natureza urbana e criar uma nova ideia de cidade - uma cidade que produz alimento, cuida do meio ambiente e se prepara para os desafios climáticos e sociais do nosso tempo.
Mas a luta não é fácil. Em áreas de proteção ambiental, como o próprio Parque Nacional da Tijuca ou o Maciço da Pedra Branca, a presença de jaqueiras costuma ser tratada como um problema ecológico. Por serem espécies exóticas, há uma política de erradicação dessas árvores, mesmo quando são centenárias e já integradas ao ecossistema local.
“Tem gente que diz: ‘a jaqueira é uma praga’. E corta. Só que, em breve, poderemos enfrentar crises alimentares severas por conta das mudanças climáticas, e essas jaqueiras que hoje estão sendo destruídas fariam uma diferença enorme. Aqui em casa, por exemplo, a nossa jaqueira produziu 400 quilos de jaca em uma só safra. É muito alimento”, afirma Pedro Lobão.
Com base nesse olhar, o Instituto realizou, em parceria com o Parque Nacional da Tijuca e outras instituições, operações emergenciais de coleta e distribuição da fruta. Em apenas seis dessas operações, mais de 8,5 toneladas de jaca foram recolhidas e distribuídas para instituições como o programa Mesa Brasil. A logística inclui caminhões com braços mecânicos e refrigeradores para garantir a conservação do alimento.
“Somos o agente ecológico de equilíbrio da jaqueira na floresta. Comer as jacas da floresta é uma forma de manejar essa presença. A jaca foi colocada ali como comida. Reduzindo o banco de sementes ao consumir o fruto, a gente pode controlar a proliferação sem precisar matar árvores maduras e integradas à floresta há décadas.”
Apesar do reconhecimento crescente, o Instituto ainda encontra barreiras legais. Uma das principais objeções à manutenção das jaqueiras é a legislação ambiental vigente, que muitas vezes exige a erradicação de espécies exóticas, mesmo em áreas urbanas.
Em reunião com representantes da Secretaria do Meio Ambiente do RJ, Marisa e Pedro ouviram: “O projeto é excelente, mas a lei manda erradicar exótica. E se der problema, quem responde sou eu.” A resposta deles não hesitou: “A gente precisa mudar a lei. A mulher não podia votar até os anos 30, os negros foram escravizados por séculos. As leis mudam — e precisam mudar”, questionou Marisa.
Essa mudança já começou. Um projeto de lei protocolado na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro propõe incluir a jaca em pratos salgados da merenda escolar pública em todo o estado. Se aprovado, o projeto poderá estruturar uma nova cadeia produtiva, fortalecendo a agricultura urbana, a economia solidária e a segurança alimentar.
“Se você cria uma cadeia constante de distribuição para escolas, com um cliente garantido como a alimentação escolar, você estrutura uma cadeia sustentável. A gente sai de uma lógica de venda informal e pontual e entra numa economia solidária real.”
Mais do que uma simples fruta, a jaca se tornou símbolo de resistência, representando saberes tradicionais e transformando o que antes era descartado em ferramenta de transformação social. Pedro Lobão é otimista: “No futuro, vejo a jaca acompanhando arroz e feijão. Quando as pessoas perceberem o valor da jaca, vão olhar para a jaqueira no quintal com outros olhos.”
Assista a entrevista na íntegra aqui:
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