“Única saída para a humanidade é resgatar o conhecimento ancestral”, diz socióloga indígena
Saberes indígenas são chave para o bem viver e a cura da Terra, diz Avelin Kambiwá em defesa da reconexão com a natureza e o sagrado
Beatriz Bevilaqua, 247 - A socióloga e professora Avelin Kambiwá, do povo indígena Kambiwá, defende que o futuro da humanidade depende da escuta e da valorização dos saberes ancestrais. Em entrevista ao programa Brasil Sustentável, da TV 247, ela compartilha uma perspectiva potente, enraizada na vivência de quem transita entre múltiplos mundos e saberes.
Moradora da periferia de Belo Horizonte há mais de três décadas, Avelin é mãe de um adolescente e carrega 45 anos de histórias e lutas. “Construí pontes entre o mundo indígena, o mundo acadêmico e as lutas sociais, trazendo de volta o resgate do bem viver”, afirma, entrelaçando sua trajetória com o compromisso coletivo pela vida.
Avelin ressalta que a educação escolar ainda oferece uma imagem limitada e estereotipada dos povos indígenas. É preciso ampliar a alfabetização cultural e espiritual das novas gerações. Ela acredita que ensinar o bem viver é mais urgente do que nunca, especialmente diante da “metacrise” que atravessamos. “É uma crise dentro da crise, num modelo de mundo que nunca levou em conta os saberes indígenas. Um sistema baseado na exploração da mãe-terra e dos corpos. A gente só começa a sair desse lugar quando entende que todo ser é manifestação do sagrado. A árvore é uma entidade. O rio é nosso tio. A montanha, nossa mãe. Quando a gente compreende isso, a exploração não tem mais espaço”, explica.
No campo das políticas públicas, ela aponta avanços importantes, ainda que recentes, como a criação da Secretaria de Saúde Indígena, os postos de saúde com agentes indígenas nas comunidades, a educação indígena dentro dos territórios e a política de cotas: “São conquistas que melhoraram muito a vida nos territórios. Mas o maior crescimento foi o fortalecimento da presença indígena. A gente vê mulheres como Joenia Wapichana, Sônia Guajajara, Célia Xakriabá, trazendo uma nova representatividade. Nós somos os povos que mais sabem proteger a Terra e a sua biodiversidade”.
Avelin fala da necessidade de transmitir esses saberes aos filhos e às comunidades urbanas, onde a desconexão com a natureza é causa de muitos adoecimentos. “O que nos adoece é a desconexão com a terra. Tempo não é dinheiro. Tempo é vida. Tempo é ver o sol nascer, a lua crescer. A gente precisa criar refúgios: fazer um chá com calma, ouvir a chuva, tomar banho de ervas. Tudo isso é reconexão. Nós somos natureza. Essa separação entre humano e natureza é invenção do capitalismo.”
Ela também se apoia em conceitos do bem viver: comer bem, dormir bem, pensar bem, falar bem. São princípios que ela aplica na sua rotina, no cuidado com a filha e com os alunos. “É prestar atenção no que a gente come, no que a gente ouve, no que a gente vê. É tentar tirar o ultraprocessado e colocar batata doce no prato. Ter hora para largar o celular. Ouvir uma música que lembre a natureza. Ou apenas silenciar.”
Avelin compartilha ainda os símbolos que a acompanham, como o maracá, instrumento que carrega a força da voz ancestral. “Esse aqui é o microfone dos nossos ancestrais. O maracá ecoa a voz deles. Eu estou com uma tiara, alguns cocares atrás de mim. Eles são feitos à mão, carregam energia. Não são só bonitos, são força viva. São ados de geração em geração.”
Sobre a sociologia, sua área de atuação, ela reflete sobre a necessidade de descolonizar os saberes. “A sociologia vem de um olhar europeu que não nos contempla. Quando descolonizada, ela se torna poderosa. Ela nos faz questionar por que pensamos assim. Nos tira do rebanho. A política também é uma ferramenta de libertação. Antes éramos tutelados. Hoje queremos levar nossas próprias pautas. As mulheres indígenas têm visão coletiva. É claro que há exceções, mas a maioria luta pelo bem comum”, enfatiza.
Apesar de ter concorrido a um cargo político, Avelin diz que talvez não volte a esse caminho. Hoje, sua atuação se concentra em projetos comunitários voltados à autonomia e à valorização da cultura indígena. Um dos exemplos é a Expo Abya Yala, feira de mulheres indígenas que articula geração de renda com transmissão cultural. “Muitas dessas mulheres são mães ou avós. Não têm aposentadoria, estão fora do território. Vender artesanato é também contar a nossa história. A gente também realiza encontros e rituais, para não nos isolarmos. Tudo gira em torno do bem viver. E pra isso, precisa também ter renda. Saúde mental sem renda é utopia no sistema que rege esse mundo”.
Assista a entrevista na íntegra:
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