Em entrevista, CEO da Azul omite as razões que causaram a crise da empresa aérea
Os motivos reais não foram aqueles por John Rodgerson, que evitou reconhecer os principais erros de gestão cometidos nos últimos anos
247 – Em entrevista concedida ao jornal Estado de S. Paulo, o presidente da Azul Linhas Aéreas, John Rodgerson, apresentou uma narrativa que responsabiliza fatores externos pela delicada situação financeira da companhia. Apesar do endividamento de R$ 34,6 bilhões e da recente entrada no processo de recuperação judicial nos Estados Unidos (o chamado Chapter 11), o executivo evitou mencionar os principais erros de gestão que contribuíram para a deterioração financeira da empresa.
Entre os fatores citados por Rodgerson como determinantes da crise estão os impactos da pandemia de Covid-19, o aumento exponencial dos juros – que saltaram de R$ 160 milhões para R$ 1,6 bilhão ao ano –, a desvalorização cambial, a escassez global de peças e motores e os prejuízos causados pela enchente em Porto Alegre. O CEO ainda culpou a instabilidade econômica mundial, em especial as políticas do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, como obstáculo para a captação de recursos via mercado de ações.
“Pagava R$ 160 milhões em juros ao ano; agora pago R$ 1,6 bilhão”, afirmou Rodgerson ao justificar o pedido de proteção judicial contra credores. “Estava no meio da guerra de tarifas do Trump. Mas tentamos”, disse ao comentar o fracasso da oferta pública de ações da Azul.
Erros de gestão não reconhecidos agravam desconfiança no mercado
No entanto, fontes do setor e análises independentes apontam que os reais motivos da crise da Azul vão muito além dos eventos externos destacados por Rodgerson. O principal deles foi a decisão estratégica de preservar a participação acionária do fundador David Neeleman a qualquer custo – mesmo que isso tenha implicado a deterioração do balanço da empresa. A prioridade pelo controle impediu soluções mais sustentáveis, como uma capitalização robusta que diluísse os sócios controladores.
Outro erro grave foi o atraso no pedido de recuperação judicial, enquanto concorrentes como Gol e LATAM já avançavam em suas respectivas reestruturações. A decisão custou caro: a dívida da Azul praticamente dobrou no primeiro trimestre de 2025, alcançando os R$ 35 bilhões. Em vez de agir com celeridade, a Azul apostou em discursos excessivamente otimistas e em estratégias de bastidores.
Fracasso em captação e manobras midiáticas falharam
A tentativa de levantar R$ 4,1 bilhões com a oferta pública de ações em 2024 resultou em frustração: apenas R$ 1,6 bilhão foi captado. Rodgerson culpou a “guerra comercial de Trump” pela debandada dos investidores, ignorando o fato de que o mercado já demonstrava desconfiança crescente diante da falta de transparência da gestão e da performance operacional em queda. A comunicação otimista em excesso, sem respaldo nos números, contribuiu para o fiasco.
Paralelamente, a companhia tentou influenciar o noticiário econômico com especulações sobre uma possível fusão com a LATAM e depois com a Gol. Hoje, o objetivo dessas informações fica evidente: atrasar os processos de reestruturação dos concorrentes e valorizar artificialmente as ações da Azul. A tática falhou.
Aposta no lobby político e uso de recursos públicos também decepcionaram
A Azul também apostou fortemente no apoio político em Brasília. Em abril de 2024, Rodgerson apareceu ao lado do presidente Lula em evento da Embraer, sinalizando proximidade institucional. Em janeiro de 2025, a empresa obteve perdão bilionário de dívidas com a União – especialmente relacionadas a taxas de navegação devidas ao Decea. Além disso, recebeu US$ 200 milhões do Fundo Garantidor de Exportações (FGE), mas a maior parte dos recursos esperados, cerca de R$ 3,2 bilhões, depende do andamento do Chapter 11.
Nem mesmo essa injeção de recursos públicos impediu a deterioração do caixa, o corte de rotas e o desgaste com consumidores. Rodgerson itiu ter enviado uma carta de desculpas aos clientes, após sucessivos cancelamentos de voos e queda na qualidade dos serviços.
“Eu falei que não estava entregando o melhor produto para meus clientes. Eu pedi desculpas. Mandei uma carta a eles”, disse o CEO. Ele ainda prometeu: “Vamos crescer menos, 3% ou 4% ao ano, mas vamos sair mais fortes”.
Discurso oficial esconde responsabilidade da istração
A entrevista de John Rodgerson ao Estadão foi uma tentativa de reposicionar a imagem da Azul em meio à reestruturação judicial. No entanto, ao omitir falhas claras da gestão, como a priorização do controle acionário, o atraso no Chapter 11, o uso político de rumores e a dependência de favores estatais, o executivo deixa de oferecer ao mercado a clareza necessária para restabelecer a confiança.
Mais do que enfrentar os efeitos externos, o verdadeiro desafio da Azul parece ser encarar seus próprios erros. A reconstrução de sua credibilidade exigirá mais do que otimismo: será preciso transparência, responsabilidade e um plano de negócios que vá além das desculpas.
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