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      Democracia sem conflito? A psicanálise diz: “impossível”

      Luciano Elia defende que o dissenso é indispensável tanto para a democracia quanto para a ética da psicanálise

      (Foto: Reprodução | ABR)
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      247 - A democracia não pode existir sem conflito. Essa foi a tese central desenvolvida pelo psicanalista e professor Luciano Elia no segundo episódio do programa Papo Curvo, transmitido pela TV 247 no YouTube. A partir da leitura do Seminário 11 de Jacques Lacan, especialmente da lição intitulada Presença do analista, Elia articulou conceitos fundamentais da psicanálise lacaniana às tensões do presente, afirmando que o embate é condição tanto para a prática analítica quanto para a vida democrática. “A psicanálise é, por definição, uma intervenção no conflito. Ela parte da escuta do sujeito dividido e da impossibilidade de completude”, explicou. E completou: “O ensino de Lacan não pretende ser exaustivo, mas causar deslocamentos. Ele não quer oferecer um saber total, quer sustentar a divisão”. Para o psicanalista, sustentar essa divisão é uma exigência ética, e não apenas teórica: “Não há democracia possível sem conflito. Tentar eliminá-lo é flertar com o autoritarismo. Uma democracia real deve assumir o dissenso como condição”.

      Elia lembrou que Lacan foi excomungado da Associação Internacional de Psicanálise (IPA) por confrontar o conservadorismo dominante, o que revela, segundo ele, uma tentativa de eliminar a diferença no interior da própria comunidade analítica. “A excomunhão foi uma forma de suprimir o dissenso, como se fosse possível apagar o que é estrutural. É justamente isso que precisamos enfrentar hoje. A eliminação do conflito não é solução, é sintoma”, observou.

      Na leitura de Elia, a psicanálise é um campo que só pode existir a partir da perda, daquilo que não se encaixa, do que escapa às estruturas dominantes. “A escória é aquilo que sobra, que não se integra ao saber hegemônico. E é por isso que nunca haverá uma comunidade psicanalítica só de gente bacana. A psicanálise precisa da escória, e o analista deve se implicar com ela”, afirmou. Ele acrescentou que essa implicação é incompatível com qualquer projeto de neutralidade. “A clínica é política. Escutar alguém dizendo o que não sabe que diz é um ato político. Sustentar essa escuta é sustentar o conflito.”

      O psicanalista também foi crítico em relação à tentativa de esvaziar o campo democrático de tensões reais. Para ele, a ideia de que seria possível acabar com a polarização é parte da lógica que busca mascarar a existência do dissenso. “A psicanálise não pode endossar uma democracia de fachada, que se estrutura a partir da exclusão da diferença. Uma verdadeira experiência democrática exige o confronto, a luta de classes, a existência de posições em disputa. Dissolver a polarização é apagar o conflito – e, com ele, a própria democracia.”

      Na avaliação de Elia, o caso do deputado federal Glauber Braga (PSOL-RJ), ameaçado de cassação após confrontar o presidente da Câmara, Arthur Lira, é um exemplo claro da tentativa de silenciar a diferença em nome de uma falsa conciliação institucional. “Não está em jogo apenas o mandato de um parlamentar. O que se tenta eliminar é uma voz que denuncia, que aponta o que está errado. E a democracia precisa disso”, afirmou. Para ele, defender a permanência de Glauber no Congresso é defender o direito ao dissenso e à crítica radical como fundamentos democráticos.

      O debate também trouxe à tona críticas às tentativas de transformar a formação analítica em produto de mercado. Elia condenou os cursos acelerados que prometem formar psicanalistas em dois anos. “Isso é um duplo crime: empobrece a psicanálise e engana o aluno. A transmissão do inconsciente não se dá por conteúdo teórico, mas por uma via ética e singular. Não se forma analista com grade curricular e apostila. A psicanálise é um saber que se transmite por outras vias.”

      Ao final, o psicanalista reiterou que a neutralidade diante do autoritarismo não é uma opção. “O analista não pode se eximir de tomar posição no laço social. Ele não fala apenas para seus pares ou para seus pacientes. Ele tem responsabilidade diante do mundo em que vive. E se a democracia está sob ataque, é preciso dizer claramente: não há democracia sem conflito. Silenciar é consentir.” Assista: 

       

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