A fabricação de notícias e o caso da Janja na China como exemplo ideal de factoide
'Houve uma decisão de criar factoide. A GloboNews utilizou frases anti-jornalísticas e impossíveis de comprovar', escreve o jornalista Mauro Ramos
Por Mauro Ramos, Medium.com - Caso não tenham lido, vou resumir. A Globonews noticiou que a Janja, companheira do Lula, teria constrangido o presidente Xi Jinping e sua esposa Peng Liyuan, no último jantar oferecido à delegação brasileira.
Essa informação só pode ter sido ada por alguns dos ministros de Lula que estavam presentes, o Alcolumbre ou Elman (vice-presidente da Câmara) que estavam presentes. Mônica Bergamo diz agora que o principal suspeito é o Rui Costa.
A notícia foi que Janja teria constrangido os anfitriões ao “pedir a palavra para falar dos efeitos nocivos da rede social chinesa TikTok”.
Na coletiva de encerramento da visita de Estado, a informação foi citada pelo jornalista da Globonews, que perguntou ao presidente se ele estava pensando em banir ou restringir o TikTok no Brasil.
Lula questionou como esse assunto foi gerado: “Alguém teve a pachorra de ligar pra alguém e contar uma conversa num jantar que era uma coisa muito, mas muito confidencial”.
O presidente disse que foi ele quem levantou a questão: “perguntei ao companheiro Xi Jinping se era possível ele enviar uma pessoa da confiança dele pra gente discutir a questão digital, e sobretudo o TikTok”.
Janja — seguiu o presidente –, pediu a palavra para explicar o que está acontecendo no Brasil, sobretudo, contra as mulheres e as crianças, em relação às redes sociais.
O presidente defendeu a regulamentação das redes sociais: “Não é possível a gente continuar com as redes digitais cometendo os absurdos que cometem, e a gente não ter a capacidade de ter uma regulamentação”.
Foi uma coisa absolutamente normal, e ele [Xi Jinping] vai mandar uma pessoa, disse Lula. “Vai mandar uma pessoa especialmente pra conversar conosco sobre o que é que a gente pode fazer nesse mundo digital”.
A matéria lançada pela Globonews colocou estas duas frases juntas: “Além de Xi Jinping, a primeira-dama da China, Peng Liyuan, teria ficado irritada com o comportamento de Janja durante o encontro. A postura da brasileira foi considerada desrespeitosa em relação ao presidente Xi Jinping”.
Quero comentar duas questões.
Em primeiro lugar, a plausibilidade do acontecimento.
Chineses e chinesas em relações diplomáticas são sensatos, prudentes e cerimoniosos. Existem pequenas regras que são seguidas em almoços, jantares e banquetes. Já as vivenciei em diferentes lugares do país. Se há convidados de alto nível, mais cerimonioso e cuidado se torna o evento.
Não consigo imaginar um chinês demonstrando “irritabilidade” em um evento. Mas muito, muito menos alguém como Peng Liyuan, companheira de Xi Jinping, ou o próprio presidente chinês. Se você ver vídeos do Xi antes de ser presidente, a forma de falar dele era muito mais solta. Após se tornar presidente as falas que são divulgadas são num mesmo tom, calmo, pausado. Isso é uma decisão.
É muito pouco verossímil que pessoas do mais alto nível político chinês se deixassem levar pelo momento e se mostrassem irritados com convidados. Ainda mais, sabendo que estão diante de uma delegação ampla e diversa ideologicamente.
O que podem ter entendido como desconforto pode ter sido qualquer coisa (se é que houve), já que ninguém naquela mesa possui vivência de China.
Houve uma decisão de criar um factoide. A Globonews comprou, e utilizou frases impossíveis de comprovar e anti-jornalísticas como: “A postura da brasileira foi considerada desrespeitosa em relação ao presidente Xi Jinping”. Foi considerada por quem?
A segunda questão é sobre o enorme problema que temos com a mídia hegemônica no Brasil. O factoide foi gerado horas antes da coletiva. Nas coletivas fora do país, a presidência da República dá espaço para apenas três perguntas das mídias brasileiras.
Éramos várias mídias do Brasil, foi debatido sorteio, agrupar perguntas, etc.
A questão é que, numa coletiva de uma viagem importante, com diversos resultados pra questionar e pedir detalhes, Celac-China, menções a trens rápidos rasgando o Brasil, parcerias em IA, um terço das mídias brasileiras queriam gastar sua pergunta no evidente factoide.
E aqui não estou julgando os trabalhadores da imprensa, a exigência de fazer essa pergunta pode ter vindo de seus chefes.
Finalmente, quem acabou fazendo a pergunta foi o jornalista da Globonews que, como cereja do bolo dessa operação midiática, havia afirmado que era contra a opção de fazer sorteio, porque defendia o critério de “relevância jornalística”.
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