Trump aposta bilhões em estaleiros nos EUA, mas navios saem cinco vezes mais caros que na Ásia
Investida liderada por Trump mira recuperar indústria naval americana, mas enfrenta custos altos, escassez de mão de obra e dependência de subsídios
247 - A ambição do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de reconstruir a indústria naval do país esbarra em obstáculos gigantescos, entre eles o custo astronômico de produção. Enquanto um navio feito na Coreia do Sul custa cerca de US$ 70 milhões, embarcações equivalentes fabricadas em território americano chegam a US$ 330 milhões — quase cinco vezes mais.
A disparidade foi revelada por especialistas e empresários do setor ao jornal The New York Times, que analisou os impactos das políticas de Trump e do Congresso sobre a retomada da construção naval nos EUA.
A estratégia de Trump ganhou corpo com uma ordem executiva recente para revitalizar os estaleiros norte-americanos. “Vamos gastar muito dinheiro em construção naval. Estamos muito, muito, muito atrás”, declarou o presidente ao anunciar a medida. A iniciativa é acompanhada de ações legislativas bipartidárias que preveem subsídios bilionários para navios construídos nos EUA, exigências para que embarcações comerciais sejam fabricadas em território nacional e punições àqueles que operam com navios chineses.
Apesar do entusiasmo oficial, analistas como Colin Grabow, do Instituto Cato, alertam que a tentativa pode repetir fracassos anteriores. “Já estivemos nesse caminho antes”, disse ele, referindo-se a iniciativas frustradas, como a tentativa de impulsionar a produção de navios comerciais em Filadélfia após o fechamento da base naval local em 1995.
Coreana Hanwha assume papel central nos planos dos EUA
Um dos centros dessa nova empreitada é o estaleiro da Hanwha Philly Shipyard, adquirido no ano ado por US$ 100 milhões pela gigante sul-coreana Hanwha. O CEO da empresa, David Kim, afirma que a indústria naval americana está pronta para avançar, mas faz uma ressalva: “O estaleiro precisa de um fluxo constante de pedidos. E o governo federal terá que adotar políticas que subsidiem navios fabricados nos EUA e penalizem o uso de embarcações estrangeiras por empresas que operam em portos americanos.”
Hoje, o estaleiro na Filadélfia entrega cerca de um navio e meio por ano. Na Coreia do Sul, unidades da mesma empresa conseguem produzir uma embarcação por semana. Kim destaca que pretende acelerar a produção americana com tecnologias como soldagem automatizada, mas não revelou quanto a Hanwha investirá no estaleiro dos EUA.
Produção cara, pouca escala e dependência da legislação
O cenário atual expõe o abismo entre o ritmo asiático e o norte-americano. Dados da BRS Shipbrokers mostram que, nos últimos dez anos, a China entregou 6.765 navios comerciais, o Japão 3.130, a Coreia do Sul 2.405 e os EUA apenas 37. O alto custo nos Estados Unidos torna os navios íveis apenas a empresas que operam rotas domésticas, protegidas pelo centenário Jones Act, que exige embarcações fabricadas no país para o transporte entre portos nacionais.
O ex-proprietário do estaleiro da Filadélfia vendeu três navios compatíveis com o Jones Act por cerca de US$ 330 milhões cada. O mesmo modelo, construído na Ásia, custaria US$ 70 milhões, conforme estimativa de James Lightbourn, fundador da consultoria Cavalier Shipping.
Congresso propõe frota estratégica com subsídios pesados
O projeto de lei em tramitação no Congresso propõe a criação de uma “frota comercial estratégica” composta por 250 navios feitos nos EUA, com tripulação americana. Essas embarcações poderiam ser requisitadas pelo Departamento de Defesa em missões de suprimento, servindo como estímulo contínuo aos estaleiros. “É o esforço mais ambicioso em uma geração para revitalizar a indústria naval e marítima comercial dos EUA e enfrentar o domínio chinês nos oceanos”, defendeu o senador democrata Mark Kelly.
Os críticos da proposta, no entanto, argumentam que ela perpetuará subsídios sem fim para uma indústria ineficiente. Sugerem, como alternativa, que o país utilize navios fabricados por aliados estratégicos como Japão e Coreia do Sul, em vez de manter uma estrutura antieconômica em casa.
Dificuldade de mão de obra e aposta na formação
Mesmo que os planos avancem, há um gargalo na formação de trabalhadores qualificados. A Hanwha quer dobrar sua força de trabalho, atualmente com 1.500 empregados, ao longo da próxima década. Segundo Kelly Whitaker, porta-voz da empresa, a turma de aprendizes também deve dobrar em 2025, chegando a 240 treinandos.
Niecey Zlomek, uma das novas contratadas, destacou os benefícios da função. “Esse é, provavelmente, o melhor emprego que já tive desde que me mudei para cá”, disse ela, que ganha US$ 22 por hora e atua na instalação de sistemas de propulsão e transporte de carga em navios.
Apesar disso, estaleiros que constroem navios militares relatam dificuldades para manter funcionários após o primeiro ano de trabalho. Em audiência no Congresso, Brett Seidle, secretário adjunto da Marinha, reconheceu o problema e defendeu programas de capacitação.
Marinha mercante como carreira de alto rendimento
Para Roland Rexha, secretário-tesoureiro da Marine Engineers’ Beneficial Association, o apoio governamental ao setor é essencial. “A China subsidia completamente sua indústria. Precisamos fazer do incentivo ao transporte de carga um pilar da revitalização marítima”, defendeu.
Rexha acrescenta que a carreira de oficial em embarcações americanas pode ser altamente vantajosa: salários acima de US$ 200 mil por ano, aposentadoria após 20 anos de serviço e períodos prolongados em casa. “Você se concentra na sua família, se concentra nos seus filhos.”
Mesmo com esses atrativos, a tarefa de reconstruir a indústria naval dos EUA e competir com a Ásia, especialmente com a China, continua sendo um desafio de escala monumental, que exigirá décadas de investimentos públicos e privados — e talvez, mesmo assim, não seja suficiente para equilibrar a balança dos mares.
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