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      Ivan Rios

      Sindicalista, historiador, crítico de cinema, escritor, membro do Comitê Baiano de Solidariedade ao Povo da Palestina, graduando em Direito, militante dos Movimentos de Promoção, Inclusão e Difusão Cultural no Estado da Bahia

      44 artigos

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      O filme "Pecadores": o vampirismo como alegoria da exploração e do apagamento cultural no Brasil

      Metáfora do vampirismo denuncia apagamento cultural, avanço da extrema direita e apropriação de símbolos ancestrais no Brasil de hoje

      (Foto: Ivan Rios)

      AVISO: Este artigo contém spoilers sobre o filme, se ainda não assistiu, recomenda-se que o faça antes da leitura. Além disso, é recomendada a leitura prévia do artigo "Pecadores: uma reflexão dialética sobre ancestralidade, resistência e a condição humana", publicado neste mesmo site e de autoria de Ivan Rios.

      O cinema tem o poder de provocar reflexões e impulsionar mudanças. Pecadores (2025) transcende a ficção sobrenatural e se apresenta como um manifesto visual e filosófico sobre exploração e apagamento. Utilizando o vampirismo como metáfora, o filme denuncia a perpetuação das estruturas de dominação que sustentam desigualdades raciais e sociais - questões que podem ser perfeitamente contextualizadas dentro do atual status quo da sociedade brasileira.Mas, afinal, o que um filme ambientado no Mississipi de 1932 tem a ver com o Brasil contemporâneo? Desde a colonização até a ascensão da extrema direita, Pecadores revela o vampirismo não apenas como a extração/aniquilação física de vidas, mas como um sistema de exclusão, manipulação ideológica e apagamento cultural. O Brasil, marcado pela resistência e pelos genocídios de negros e indígenas, pode ser retratado sob a perspectiva dos historicamente oprimidos — os que há séculos enfrentam tentativas de silenciamento e apagamento de sua identidade.

      Os vampiros simbolizam invasores e opressores que se apropriam de territórios, memórias e culturas para perpetuar seus privilégios. Eles representam não apenas os colonizadores que transformaram o Brasil em um campo de exploração, mas também os sistemas que lucram com a marginalização estrutural dos menos favorecidos. Essa metáfora se estende ao avanço do agronegócio sobre terras indígenas, à destruição ambiental e às políticas que garantem o controle das elites enquanto condenam os pobres à invisibilidade.

      Essa dinâmica predatória vai além da política e da economia — ela se infiltra na religião e na cultura. Assim como no filme, uma figura emblemática dos tempos atuais atua nos trios elétricos, distorcendo letras de músicas (como o claro exemplo da cantora Claudia Leite) e esvaziando o sentido ancestral de manifestações populares. A apropriação cultural não se limita à absorção; ela redefine significados e transforma celebrações em espetáculos dominados pela lógica do mercado, esvaziando qualquer conexão ancestral.

      Outro ponto central do filme é a infiltração das igrejas neopentecostais como agentes do apagamento cultural na nossa sociedade. Em uma das cenas mais simbólicas, o vampiro principal da trama observa um capuz branco que remete à Ku Klux Klan e às práticas históricas de terror, ódio e dominação. Ele percebe que aquele ambiente, já impregnado por discursos conservadores e intolerantes, é ideal para a proliferação do ódio e para a concretização de seus propósitos deletérios. Ao se vitimizar, o vampiro conquista a confiança do casal de donos da residência e, ao ser convidado a entrar, toma posse definitiva daquele espaço, já semeado pelo dogmatismo e pela intolerância. Essa cena evidencia como ambientes marcados por preconceitos e extremismos podem ser transformados em instrumentos de controle e opressão, reforçando dinâmicas de exclusão e apagamento.

      Essa estratégia encontra paralelo na atuação das igrejas neopentecostais nas favelas e periferias, justamente onde vive a população mais carente e desassistida. Essas instituições frequentemente demonizam rituais ancestrais — como os do candomblé, da umbanda e das culturas dos povos originários — mesmo enquanto incorporam práticas dessas tradições em seus próprios cultos. Essa apropriação é acompanhada por discursos moralistas que reconfiguram a espiritualidade para servir a interesses de controle e dominação. O que antes era espaço de resistência e preservação cultural torna-se um instrumento da ideologia dominante.

      Afinal, quem nunca viu vídeos de manifestações de incorporação da “gira” — característica dos cultos afro — dentro de igrejas neopentecostais? Essa apropriação simbólica não apenas dilui o significado das tradições ancestrais, mas também reforça a narrativa hegemônica que busca deslegitimar essas práticas. O apagamento cultural, nesse contexto, não ocorre apenas pela proibição direta, mas pela ressignificação e manipulação que garantem a perpetuação de estruturas de poder.

      Essa ocupação não é apenas física, mas também simbólica. Assim como os vampiros, certas igrejas neopentecostais utilizam a fé para esvaziar tradições e impor uma narrativa hegemônica. Incorporam elementos das religiões afro-brasileiras para, em seguida, condená-los, garantindo que a estrutura de poder permaneça intacta. Esse processo de apropriação e demonização não busca integração, mas subjugação — uma estratégia para deslegitimar o que não pode ser diretamente eliminado.

      No filme, os vampiros não apenas exploram e subjugam, mas também dominam pelo discurso. Para manter seu poder sem resistência, vitimizam-se e se apresentam como "cidadãos de bem", eximindo-se de sua responsabilidade histórica. Utilizam slogans como "Deus, Pátria e Família" para mascarar sua atuação predatória, associando suas ações à moralidade e à tradição, enquanto perpetuam mecanismos de exclusão e violência. Dessa forma, criam a ilusão de que são defensores da ordem e da segurança, quando, na verdade, são os agentes da opressão.

      A estratégia de vitimização é fundamental para legitimar sua permanência no poder. Ao se apresentarem como vítimas de ataques injustificados, os vampiros desviam o foco da resistência e minam qualquer contestação. No filme, aqueles que denunciam sua exploração são retratados como radicais ou inimigos da sociedade, reforçando um padrão comum nos discursos autoritários: transformar o opressor em vítima e o explorado em ameaça.

      A narrativa de Pecadores desmonta essa farsa ao expor os verdadeiros interesses por trás desses discursos. No Brasil, essa estratégia é amplamente utilizada por setores privilegiados para desacreditar movimentos sociais e justificar medidas repressivas. O filme demonstra que os vampiros não dominam apenas pela força, mas pela construção de uma realidade manipulada que favorece sua continuidade.

      Para combater os vampiros, é necessário desmantelar essa lógica e reivindicar a verdade histórica. A luta não se limita ao enfrentamento direto contra os opressores, mas exige um esforço coletivo para desconstruir narrativas que perpetuam a exploração. A resistência, como evidencia Pecadores, a inarredavelmente pela educação, pela preservação e recuperação das memórias, pela valorização das vozes silenciadas e pelo fortalecimento da identidade dos historicamente oprimidos.

      Mais do que entretenimento, Pecadores é um chamado à ação. Como cidadãos e agentes históricos, não podemos ignorar esse alerta. A batalha contra o vampirismo moderno e suas manifestações atuais — extrema direita, igrejas neopentecostais, conservadorismo, intolerância racial e religiosa, apagamento cultural — é urgente. Para enfrentá-la, é essencial fortalecer a educação como ferramenta de conscientização e transformação social, promovendo o respeito à diversidade e a inclusão como pilares fundamentais da humanização das relações. Somente ao garantir que todas as vozes sejam legitimamente contadas e preservadas, reconhecendo a riqueza das identidades marginalizadas e valorizando a memória coletiva, poderemos romper com estruturas opressivas e construir um futuro verdadeiramente igualitário.

      * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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