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      Luis Pellegrini

      Luís Pellegrini é jornalista e editor da revista Oásis

      23 artigos

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      O mito de Faetonte: uma profecia sobre o aquecimento global

      O ser humano de hoje desrespeita limites, viola as leis naturais e se autoconcede um “direito” sobre o mundo que nem ética nem juridicamente lhe pertence

      Planeta Terra (Foto: NASA)

      Os antigos mitos muitas vezes guardam conteúdos proféticos. Este é o caso do mito grego do jovem Faetonte, filho de Apolo, que rouba a carruagem flamejante do Sol. Mas ele não sabe como conduzir seus cavalos, que desembestam provocando tremendos desastres. Incendeiam florestas, elevam as temperaturas na superfície do planeta, derretem as geleiras, secam os mananciais de água, enchem os ares de detritos e de fumaça poluidora. Qualquer semelhança com aquilo que hoje acontece no fenômeno do aquecimento global causado pela mão do homem não é mera coincidência. É o jeito que os mitos têm para alertar sobre as consequências da arrogância e do descomedimento humano ao afrontar os limites e as leis da natureza. Exatamente como no mito de Faetonte, que revela a nossa complexa relação com o planeta.

      O capítulo “A queda de Faetonte”, do livro “Arrogante Humanidade”, de Maurizio Bettini, recém lançado na Itália pela Editora Einaudi, é um poderoso exercício de comparação entre um mito antigo e a realidade contemporânea, uma analogia que coloca o mito de Faetonte como uma profecia simbólica do aquecimento global.

      A tese de Bettini é que a arrogância humana moderna, especialmente em relação à natureza, espelha o gesto impulsivo de Faetonte: ao buscar um poder que não lhe pertence — o domínio absoluto sobre o planeta — o ser humano de hoje comete o mesmo erro trágico. Ele desrespeita limites, viola as leis naturais, se autoconcede um “direito” sobre o mundo que, segundo o autor, nem ética nem juridicamente lhe pertence.

      O texto reforça como os mitos antigos ainda têm força explicativa. Não como previsões literais, mas como estruturas simbólicas que expressam padrões humanos universais - neste caso, a hubris (arrogância) diante dos limites impostos pelo cosmos ou pela natureza. Bettini mostra que, assim como Faetonte foi alertado pelo pai (o Sol), a humanidade também tem sido alertada por cientistas, mas escolhe ignorar os avisos, com consequências desastrosas.

      Um ponto chave da argumentação é rejeitar a ideia de que desastres naturais são fenômenos cíclicos e inevitáveis. O autor contrapõe esse pensamento à fala do sacerdote egípcio no Fedro de Platão, que dizia que cataclismos “sempre aconteceram”. Bettini contesta: os desastres atuais são causados por ações humanas específicas, e não simplesmente por forças da natureza.

      A ideia de que o ser humano usurpa um jus - um direito - que não lhe compete é uma das imagens mais fortes do texto. Essa usurpação, diz Bettini, é um nefas, um erro grave e impiedoso. Isso torna o comportamento humano não apenas um problema técnico ou ambiental, mas uma transgressão moral e cultural.

      O texto de Bettini é um chamado à responsabilidade, usando a cultura clássica para iluminar o presente. Bettini evita o cientificismo frio, preferindo uma narrativa cultural e ética, muito mais próxima da sensibilidade humana. Ao fazer isso, ele amplia o debate sobre o aquecimento global, lembrando que não se trata apenas de dados e gráficos, mas de escolhas humanas, impulsos e mitos que ainda nos definem.

      O texto abaixo é extraído do livro “Arrogante Humanidade”, do escritor italiano Maurizio Bettini, recém publicado na Itália pela Editora Einaudi.

      A queda de Faetonte

      Por Maurizio Bettini

      Vamos olhar ao redor, prestar atenção às bizarrices cotidianas do clima e das estações, aos cataclismos que se sucedem; vamos seguir os noticiários, explorar a internet sem confiar nas reconfortantes (ou zombeteiras) echo chambers dos negacionistas, mas sim nas pesquisas documentadas dos cientistas. O aquecimento global está provocando secas e desertificação de terras antes férteis e verdes, as florestas do Canadá, da Sibéria, da Califórnia estão queimando, as geleiras estão derretendo, eventos atmosféricos repentinos e desastrosos produzem ciclones e enchentes até em regiões onde nunca haviam ocorrido antes, os recifes de corais estão desaparecendo, assim como as florestas tropicais. Ondas de calor perigosas, como as que sufocaram a própria Europa em 2022 e 2023, atingem com frequência crescente diversas áreas do planeta.

      Esse cenário catastrófico que estamos descrevendo não se assemelha terrivelmente àquele provocado por Faetonte em sua viagem insana, como nos contou Ovídio nas Metamorfoses? Quando o arrogante filho do Sol quis a todo custo conduzir a carruagem flamejante do pai, provocando incêndios por toda parte, desertificação, calor sufocante, derretimento das geleiras, seca. O mito de Faetonte, com sua corrida ardente, está “voltando”. Nossa violência contra o meio ambiente está provocando os mesmos distúrbios que o jovem arrogante causou um dia com seu comportamento irresponsável. Só que agora não há nenhum Júpiter para intervir e restabelecer a ordem violada. Esperemos apenas que, junto com os eventos narrados, não “retorne” também a dramática conclusão deles. Algumas versões do mito, de fato, terminam com um dilúvio que cobre a Terra com águas, destruindo toda a humanidade. E não é verdade que também as enchentes estão se multiplicando ao nosso redor, com consequências catastróficas?

      O fato é que a história do filho do Sol adquiriu uma nova e dramática “significância”. As características intrínsecas ao relato mítico, seu antigo enraizamento em nossa cultura, sua capacidade de “criar contexto” dentro das fases históricas mais diversas, tornam a narrativa de Faetonte capaz de entrar em ressonância com a realidade contemporânea e, assim, de falar de nós, hoje. A nova significância assumida por esse mito, e pelo relato que Ovídio dele faz, torna-se ainda mais evidente se nos aprofundarmos nas motivações que levaram o jovem a subir na carruagem do pai. Ele foi impelido por um desejo de provar a si mesmo sua ascendência divina.

      Por esse motivo, narra o poeta, Faetonte se arrogou um jus, o direito de conduzir os cavalos do pai, um “direito” ao qual sua condição humana, não divina, o impedia de aspirar. Seu pai, o Sol, o havia advertido claramente a esse respeito, dizendo-lhe: “mortal é a condição que te coube, não é mortal o que pedes: ignorante, desejas algo proibido até aos próprios deuses!”.

      Ao subir naquela carruagem, ao se arrogar um direito que não tem, ao violar uma norma tão imperativa que ninguém (nem mesmo os deuses) pode transgredir - a do fas - Faetonte se apresenta diante de nossos olhos como uma figura dramaticamente moderna.

      Também o homem de hoje, de fato - o homem dos países desenvolvidos, orgulhoso de sua ciência e tecnologia, que zelosamente (e gulosamente) acredita ter o direito de usufruir de seu privilégio sobre o planeta - também o homem moderno pretende ter recebido um “direito” sobre a natureza que, na realidade, por sua condição humana, não tem nem legitimidade ética nem jurídica. Arrogante como Faetonte, ele também se arroga um jus que não lhe compete e está prestes a cometer um nefas, uma culpa inexpiável, ao violar - e, na verdade, já o fez - a norma inegociável que a natureza lhe impôs. Aquela de não ultraar os limites, de respeitar os limites de sustentabilidade do planeta, introduzindo o germe da desordem no cosmos ordenado das leis naturais.

      Faetonte, que destrói o planeta por arrogância, ambição, desejo de glória - em suma, por uma série de impulsos profundamente e tragicamente humanos - constitui, portanto, a negação do que o velho sacerdote egípcio, no Fedro de Platão, afirmava em seu diálogo com Sólon: que cataclismos como aquele que, segundo o mito, Faetonte teria provocado, pertencem na verdade à ordem da natureza, “sempre existiram”.

      Não. A narrativa do mito diz exatamente o contrário: na origem do desastre há uma culpa humana específica. A destruição do planeta é provocada por sentimentos e comportamentos que pertencem tipicamente ao ser humano. Da mesma forma, as pesquisas dos cientistas nos dizem hoje que os verões escaldantes, as desertificações, o derretimento das geleiras, as enchentes repentinas, os ciclones, não “sempre existiram”, como gostariam os negacionistas das mudanças climáticas, mas são o produto do comportamento desregrado de nós, humanos. Da nossa arrogância ao nos apropriarmos de um jus — um “direito” — que não nos pertence.”

      * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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