"Ser de esquerda, ser progressista e discutir os temas contemporâneos é totalmente compatível com ser lacaniano", diz Elia
Luciano Elia analisa no Papo Curvo o apagamento simbólico de Freud e a tensão entre rigor lacaniano e militância política
247 – No programa Papo Curvo, da TV 247, o psicanalista Luciano Elia refletiu sobre a relação entre psicanálise, política e cultura contemporânea, trazendo à tona a tensão entre a formação rigorosa no ensino lacaniano e o engajamento político dos analistas. Luciano Elia chamou a atenção para um exemplo simbólico dessa tensão: a quase invisibilidade de Sigmund Freud na capa do álbum Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, dos Beatles. Ele observou que, enquanto diversas personalidades aparecem de maneira nítida, Freud está obscurecido, praticamente escondido atrás de uma figura de cera. "O Freud está lá, mas apagado, obscurecido, enquanto Jung aparece visível", afirmou.
Para Elia, esse apagamento de Freud é mais do que uma curiosidade: é uma metáfora histórica da rejeição que a psicanálise ou a sofrer no campo cultural a partir dos anos 1960. "Essa capa é uma metáfora histórica", afirmou. Segundo ele, movimentos como a contracultura e parte da esquerda política se afastaram dos conceitos centrais da psicanálise — especialmente da castração e da pulsão de morte — por não conseguirem lidar com as dimensões de conflito e perda que esses conceitos envolvem.
Luciano pontuou que, ao contrário do que muitas vezes se pensa, a resistência à psicanálise não decorre de um suposto conservadorismo de Freud ou Lacan. "O que incomoda não é o suposto conservadorismo do Lacan, mas a notícia aguda da castração e da pulsão de morte que ele carrega", explicou. Para o psicanalista, o ensino de Lacan, longe de ser um reforço de valores conservadores, é profundamente subversivo: "Lacan pluralizou os nomes do pai, ele deu cabo da tarefa de tirar o pai do trono."
Ainda sobre a prática clínica, Elia enfatizou que o analista não pode adotar uma escuta neutra diante dos sofrimentos atravessados por marcadores sociais como raça ou classe, ainda que deva evitar a tutela do analisante. "O analista não vai tomar a defesa do seu analisante, mas ele vai ser alguém que escuta incluindo essa particularidade", disse.
Luciano também analisou o fenômeno mais amplo da separação entre rigor teórico e politização dentro da psicanálise, especialmente entre lacanianos. Segundo ele, existe uma tendência que associa o aprofundamento no ensino de Lacan ao afastamento da militância política. “Quanto mais se lacaniza, menos se politiza”, resumiu. No entanto, ele defendeu que essa oposição é artificial e prejudicial ao próprio campo psicanalítico.
Ao final, Elia reafirmou a compatibilidade entre rigor lacaniano e engajamento social, rejeitando a ideia de que a politização enfraquece a psicanálise. "Ser de esquerda, ser progressista e discutir os temas atuais contemporâneos é totalmente compatível com ser lacaniano", concluiu. Assista:
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