Agência Regional na (des)ordem global: discórdia ou concórdia?
Construindo uma nova realidade regional: rumo à estabilidade, soberania e solidariedade na Ásia Ocidental
Por Seyyed Abbas Araghchi, Chanceler do Irã - A realidade, na Ásia Ocidental como em qualquer outro lugar, não é fixa — ela é forjada por meio de agência, consenso e visão.
Chegou o momento de os Estados da Ásia Ocidental retomarem a autoria de seu futuro compartilhado. Ao se engajarem em um diálogo genuíno e elaborarem estruturas de governança regionais próprias, eles poderão finalmente superar o ciclo de conflitos e caminhar para um horizonte definido por dignidade, sustentabilidade e paz.
Com base nesse imperativo de mudança, o Irã vê os desafios de segurança na Ásia Ocidental como interligados e inerentemente compartilhados entre os Estados da região. Seja enfrentando o terrorismo, a migração induzida pelo clima, ameaças cibernéticas ou fragilidade econômica, nenhum país está isolado do destino de seus vizinhos. Assim, um arcabouço coletivo baseado em respeito mútuo, não interferência e protagonismo regional não é opcional — é essencial.
Potências externas têm repetidamente tentado impor arquiteturas de segurança de cima para baixo, ignorando as complexidades sociopolíticas da região. Historicamente, poucas potências externas fizeram contribuições duradouras ou genuinamente construtivas à estabilidade da Ásia Ocidental. Na verdade, soluções externas tendem a refletir os cálculos estratégicos de capitais distantes, e não as realidades vividas por pessoas em Teerã, Bagdá, Riad ou Damasco. A experiência nos mostra que tais abordagens produzem paz frágil, na melhor das hipóteses, e alimentam instabilidade de longo prazo, na pior. Os povos da região têm pagado o preço por políticas concebidas sem seu consentimento ou participação.
Diante desse contexto, o Irã tem defendido consistentemente mecanismos inclusivos e endógenos para enfrentar os desafios regionais. Propomos que a segurança regional não seja vista como um jogo de soma zero, mas sim como um esforço cooperativo. O Irã acredita que nenhum Estado pode realmente prosperar em um bairro envolto em guerra, sanções e sectarismo. Por isso, propomos uma reorientação fundamental em direção a um modelo regional que priorize o desenvolvimento coletivo em vez da perpetuação de estruturas baseadas na ameaça.
O Golfo Pérsico, historicamente percebido como ponto de ignição de conflitos globais, hoje se apresenta como possível pilar de uma nova era de distensão e integração. O compromisso do Irã com uma diplomacia construtiva nessa esfera se baseia em propostas históricas, como o Diálogo entre Civilizações, a iniciativa Um Mundo Contra a Violência e o Extremismo (WAVE), e o Empreendimento de Paz de Hormuz (HOPE). Esses marcos enfatizam a herança comum, a segurança compartilhada e o poder do diálogo na resolução de disputas.
Nesse contexto, o Irã saúda iniciativas recentes como o documento de 2024 do Conselho de Cooperação do Golfo sobre segurança regional, que delineia princípios de soberania, não intervenção e engajamento multilateral. Embora persistam diferenças, esse documento mostra que os Estados da região também reconhecem sua interdependência e a necessidade de um arranjo de segurança conjunto. Teerã vê nisso um o fundamental rumo a uma ordem regional coesa.
A mensagem do Irã à comunidade internacional é clara: a paz duradoura na Ásia Ocidental só poderá ser alcançada com o fortalecimento de seus atores regionais. Garantias de segurança seletivas ou estruturas de paz usadas como barganha não serão suficientes. A verdadeira estabilidade requer desenvolvimento inclusivo, respeito mútuo e compromisso com a prosperidade compartilhada. O Irã não se vê como hegemon, mas como uma nação forte entre vizinhos igualmente fortes, inserida em um tecido regional resiliente e interconectado.
Exemplos como o Iraque e Omã ilustram o valor da diplomacia liderada localmente. Seus esforços para mediar disputas mostraram que atores regionais, quando empoderados, podem resolver conflitos e construir confiança sem depender de mediação externa.
O Irã continua aberto à cooperação internacional — em resiliência climática, infraestrutura digital, saúde e desenvolvimento sustentável. No entanto, essas parcerias devem estar ancoradas na igualdade e no respeito mútuo. Cooperação condicionada, usada para impor conformidade política, é incompatível com uma ordem regional soberana.
A integração regional não é uma opção — é uma necessidade. A degradação ambiental, especialmente as mudanças climáticas, transcende fronteiras. Tempestades de areia, secas e aumento das temperaturas ameaçam ecossistemas compartilhados. Da mesma forma, o extremismo e as crises humanitárias não podem ser contidos por fronteiras nacionais. Enfrentá-los exige coordenação transnacional: desde sistemas de alerta precoce conjuntos até protocolos humanitários regionais. A “segurança humana” deve se tornar a pedra angular de qualquer futura arquitetura regional. Isso significa priorizar educação, saúde, sustentabilidade ambiental e oportunidade econômica equitativa, ao lado das preocupações de segurança tradicional.
Ao vislumbrar uma nova realidade regional, é imperativo enfrentar os obstáculos estruturais que continuam a minar o progresso. Qualquer avaliação honesta da estabilidade regional deve considerar o papel desestabilizador desempenhado pelo regime israelense. A postura de Israel o transformou em um contestador sistemático — um Estado que se opõe estruturalmente às iniciativas de segurança coletiva e de desarmamento. Seu programa de armas nucleares é definido por uma doutrina de “ambiguidade deliberada”, que enfraquece as normas globais de não proliferação e vai contra o objetivo compartilhado de um Oriente Médio livre de armas nucleares. Enquanto todos os outros países da região am e respeitam o Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares (TNP), a Convenção de Armas Químicas (CAQ) e a Convenção de Armas Biológicas (CAB), Israel permanece fora desses acordos, protegido por alianças estratégicas com potências ocidentais. Esse padrão persistente de rejeição continua a impedir avanços significativos na segurança regional e no controle internacional de armamentos.
Além disso, a trajetória histórica de Israel revela um padrão consistente de ocupação, deslocamento forçado, agressão e violações do direito internacional. Do genocídio aos crimes contra a humanidade, do cerco contínuo a Gaza e a expansão de assentamentos ilegais na Cisjordânia, às repetidas incursões no Líbano e seu papel na ocupação e desestabilização da Síria, Israel tem seguido uma estratégia baseada na impunidade.
A comunidade internacional deve enfrentar essa realidade. Um regime que viola sistematicamente o direito internacional, engaja-se em militarismo sem controle e desfruta de imunidade de fato não pode ser integrado a nenhuma estrutura de segurança regional sustentável.
Em conclusão, o futuro da Ásia Ocidental não será forjado em capitais estrangeiras. Será escrito pelos povos da região, por meio de estruturas que reflitam sua história, cultura e vontade coletiva. Se a região quiser escapar de ciclos de fragmentação, a próxima década deve priorizar a construção institucional, a colaboração transfronteiriça e a governança inclusiva.
A visão do Irã é, ao mesmo tempo, uma crítica às falhas do ado e um roteiro para a resiliência futura. Ela desafia as nações da Ásia Ocidental a transitarem da diplomacia reativa para parcerias proativas, e de paradigmas impostos externamente para soluções indígenas e adaptativas. Convida os atores globais a se engajarem não como supervisores, mas como parceiros respeitosos.
Para concretizar essa visão, a Ásia Ocidental deve adotar um paradigma em que a segurança seja compartilhada, a soberania seja recíproca e a paz seja criada em conjunto. Só então a região poderá avançar além do conflito, rumo a um futuro definido não pela dominação, mas pela dignidade, solidariedade e paz duradoura.
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