Cooperação entre China, ASEAN e países do Golfo aponta novo rumo para a economia global
Cúpula trilateral na Malásia fortalece aliança Sul-Sul, cria oportunidades em energia verde e digital e responde às tarifas comerciais dos EUA
247 - A inédita cúpula trilateral entre a Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN), a China e o Conselho de Cooperação do Golfo (CCG), marcada para a próxima semana em Kuala Lumpur, na Malásia, deve inaugurar uma nova etapa da cooperação Sul-Sul e contribuir para a estabilização da economia mundial. A informação é da agência noticiosa chinesa Xinhua e do jornal Global Times. O Conselho de Cooperação do Golfo (CCG), também conhecido como Conselho de Cooperação para os Estados Árabes do Golfo, é uma organização regional que promove a cooperação entre os países árabes do Golfo Pérsico.
Com a participação de líderes de 17 países, o encontro promete aprofundar a colaboração prática em áreas estratégicas como comércio, investimento, cadeias de suprimentos, energia renovável, economia digital, veículos elétricos, infraestrutura e finanças. Em um cenário global marcado por incertezas, especialmente após o aumento das tarifas comerciais dos Estados Unidos, a reunião simboliza uma alternativa de desenvolvimento autônomo e cooperação mútua entre economias emergentes.
A analista sênior da Universidade Taylor, na Malásia, Julia Roknifard, destacou a relevância da China no fortalecimento dessa parceria: “A China já exerceu um efeito transformador na ASEAN e no Oriente Médio, incluindo os países do CCG, por meio de suas diversas iniciativas de infraestrutura, comércio e desenvolvimento, particularmente por meio da Iniciativa Cinturão e Rota, orientada pela Iniciativa de Desenvolvimento Global”. Para ela, a relação vai além de interesses econômicos imediatos, envolvendo compartilhamento de tecnologia, turismo, intercâmbio cultural e laços interpessoais históricos.
Roknifard chamou a cooperação trilateral de “Triângulo Dourado” entre recursos, manufatura e mercados consumidores, capaz de sustentar a economia global mesmo diante das interrupções provocadas pelas novas medidas tarifárias norte-americanas.
Um bloco em expansão
A ASEAN, composta por dez países do Sudeste Asiático, é hoje a quinta maior economia mundial, apoiada em sua população jovem, abundância de recursos naturais e inserção estratégica na cadeia de suprimentos global. Já os países do CCG — Bahrein, Kuwait, Omã, Catar, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos — devem dobrar sua taxa de crescimento econômico em 2025, de 2,1% para 4,2%, conforme relatório do First Abu Dhabi Bank. A expansão será sustentada por investimentos em diversificação econômica e energias limpas.
O especialista Bunn Nagara, do think tank BRICAP, com sede em Kuala Lumpur, destacou a importância da cooperação trilateral para os países do Sul Global. “Nosso sucesso na cooperação também é um sucesso para o Sul Global. Países da África e da América Latina compartilham nossas aspirações”, afirmou. Segundo ele, a articulação trilateral visa não apenas o crescimento interno, mas também a proteção do comércio global, crucial para os programas de desenvolvimento nacionais.
Resposta ao protecionismo
O movimento ganha importância adicional diante do novo protecionismo adotado pelos Estados Unidos. Em seu relatório de abril, o Fundo Monetário Internacional (FMI) rebaixou a projeção de crescimento global para 2025 de 3,3% para 2,8%, alertando para os efeitos das tarifas “quase universais” impostas por Washington — consideradas sem precedentes em um século.
Em resposta, ministros da economia da ASEAN alertaram para os impactos globais das medidas norte-americanas: “A imposição sem precedentes de tarifas pelos EUA interromperá os fluxos de comércio e investimento regionais e globais, bem como as cadeias de suprimentos, afetando empresas e consumidores em todo o mundo, inclusive nos próprios Estados Unidos”, afirmaram em nota conjunta.
As economias do CCG também estão sob risco. Segundo a Comissão Econômica e Social das Nações Unidas para a Ásia Ocidental, 22 bilhões de dólares em exportações não petrolíferas podem ser afetados pelas novas tarifas. O Bahrein, por exemplo, sofre com a dependência das exportações de alumínio e produtos químicos para o mercado americano, enquanto os Emirados Árabes Unidos podem perder até 10 bilhões de dólares em reexportações.
Alianças em construção
A reunião em Kuala Lumpur dá continuidade a um processo de aproximação iniciado em anos anteriores. Em outubro de 2023, a primeira cúpula ASEAN-CCG foi realizada em Riad, capital da Arábia Saudita. O encontro marcou um marco histórico na relação entre os dois blocos, que mantêm laços diplomáticos desde 1990. Na ocasião, foi apresentado o Quadro de Cooperação ASEAN-CCG (2024-2028), que abrange temas como segurança, comércio, intercâmbios culturais e turismo.
Já em dezembro de 2022, a primeira cúpula China-CCG também ocorreu em Riad, consolidando uma parceria focada em setores como energia, finanças, ciência e tecnologia, aeroespacial e cultura. Os líderes chineses afirmaram que o relacionamento com os países do Golfo é estratégico, dada a complementaridade entre as economias: enquanto o CCG possui vastos recursos energéticos, a China oferece um mercado consumidor robusto e um sistema industrial desenvolvido.
A China e a ASEAN, por sua vez, concluíram recentemente as negociações para a versão 3.0 da Área de Livre Comércio China-ASEAN (CAFTA), cujo protocolo de atualização deve ser assinado ainda este ano. “Na última década, os laços econômicos entre a ASEAN e a China se fortaleceram significativamente, impulsionados pela participação compartilhada em redes regionais de produção e pelo rápido crescimento econômico de ambos os lados”, afirmou Abdul Mui'zz Morhalim, economista-chefe do MIDF Amanah Investment Bank.
Uma nova arquitetura global
Com base em resultados anteriores e na ampla agenda da cúpula, os analistas esperam que a plataforma ASEAN-China-CCG se torne um novo mecanismo permanente de cooperação econômica e política entre os blocos. A articulação trilateral permite sinergias entre políticas industriais e oferece oportunidades em setores de ponta, como energias limpas e tecnologias digitais.
Em um mundo em que antigas potências recorrem ao protecionismo e à fragmentação econômica, a cooperação Sul-Sul promovida por China, ASEAN e CCG pode apontar para uma nova arquitetura internacional, mais inclusiva e centrada no desenvolvimento mútuo. Como concluiu Roknifard: “Trata-se de uma parceria que pode, ao mesmo tempo, transformar as economias regionais e oferecer um novo impulso à economia global”.
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