Rebelião armada desafia governo da Etiópia e expõe crise na região de Amhara
Após acordo de paz com o Tigré, confronto entre o Exército e os Fano deixa mortos, fecha escolas e paralisa serviços públicos no norte do país
247 - Um novo e devastador conflito voltou a abalar a Etiópia, desta vez centrado na região de Amhara, uma das mais populosas e influentes do país. A reportagem é da Africa News, que conseguiu ouvir combatentes da milícia Fano e moradores locais, em uma rara exposição dos acontecimentos em uma área onde o o de jornalistas tem sido severamente limitado pelo governo federal etíope.
O conflito expõe novamente as tensões étnicas que marcam a estrutura política do país. A milícia Fano — grupo armado que se organizou durante protestos contra o governo em 2016 — voltou a empunhar armas, desta vez contra o mesmo governo federal com o qual já chegou a lutar lado a lado na guerra contra a Frente de Libertação do Povo do Tigré.
“Lutamos milhares de batalhas”, declarou Asres Mare Damte, ex-advogado e hoje vice-líder de uma das principais facções da Fano, em entrevista concedida na área de Gojjam, palco de combates intensos. Ele alega, sem comprovação independente, que a Fano controla mais de 80% do território de Amhara, que abriga mais de 22 milhões de pessoas, e afirma ter capturado “muitos soldados inimigos”.
Raízes do conflito e o papel dos Fano
A milícia Fano emergiu em meio a denúncias de violência étnica contra a população amara, a segunda maior etnia do país. O próprio Asres contou que, antes de se armar, liderava manifestações pacíficas contra a matança de amaras, tendo sido preso duas vezes e forçado ao exílio após a emissão de um terceiro mandado de prisão em 2022.
O ressentimento contra o governo federal se intensificou com o acordo de paz que encerrou o conflito em Tigré. Embora os Fano tenham apoiado as forças etíopes na guerra, foram excluídos das negociações. A possível realização de um referendo para decidir o futuro do oeste de Tigré, região ocupada pelos amaras durante o conflito, acirrou os ânimos.
“Não é uma paz genuína”, criticou Asres.
A situação se deteriorou ainda mais a partir de julho de 2023, quando os Fano lançaram uma ofensiva coordenada e chegaram a tomar temporariamente várias cidades. Desde então, aram a adotar táticas de guerrilha, recuando para o interior e estabelecendo postos de controle em estradas estratégicas.
Escalada da violência e impacto sobre civis
Segundo o grupo de monitoramento ACLED, foram registrados 270 combates entre forças do governo e os Fano entre outubro de 2023 e janeiro de 2024, além de ataques a unidades de saúde e médicos. A população civil sofre com a escalada da violência: mais de 3.600 escolas foram fechadas na região, privando 4,5 milhões de crianças do o à educação.
Em fevereiro de 2024, um dos episódios mais sangrentos ocorreu em Merawi, cidade situada 30 quilômetros ao sul da capital regional. De acordo com a Human Rights Watch e a Anistia Internacional, soldados etíopes teriam executado civis após um ataque dos Fano. A Comissão de Direitos Humanos da Etiópia confirmou pelo menos 45 mortos.
No fim de março, novos relatos de atrocidades surgiram na cidade de Brakat, onde testemunhas disseram que soldados mataram civis após um confronto. Um dos relatos afirmou que “ordenaram que elas se ajoelhassem e atiraram pelas costas”, referindo-se a quatro mulheres executadas. “Depois que os soldados saíram, contei 28 corpos”, acrescentou a testemunha, que pediu anonimato por medo de represálias.
O governo nega as acusações e afirma que “nem civis seriam alvo, tampouco combatentes que se rendessem”. Não houve resposta oficial às perguntas da agência, e o o a Brakat foi restringido.
Colapso dos serviços públicos e avanço da instabilidade
Com a guerra se prolongando, prefeitos e autoridades locais têm abandonado seus cargos diante da ameaça de assassinatos. A polícia luta para manter algum controle. Os serviços foram paralisados, e cerca de 2,3 milhões de pessoas em Amhara precisam de ajuda alimentar, segundo o governo.
“Você não consegue viajar com segurança entre uma cidade e outra. O trabalho parou”, contou Tadesse Gete, barbeiro em Adis Abeba, mas natural de Gondar do Norte, uma das áreas mais afetadas. Sua família, segundo ele, fugiu da região.
Enquanto o premiê Abiy Ahmed afirma que tem mantido conversas com os Fano, a estrutura descentralizada da milícia e a ausência de uma liderança unificada dificultam qualquer acordo. Conselhos de paz regionais foram formados, mas não houve avanços significativos.
A milícia continua a atrair jovens amharas desiludidos e até mesmo soldados que desertam das forças regulares. Um deles é Andrag Challe, de 25 anos, que acredita que a rebelião é a única forma de proteger seu povo e mudar o curso da política etíope. “O Exército serve aos interesses do partido no poder, não ao povo”, declarou.
❗ Se você tem algum posicionamento a acrescentar nesta matéria ou alguma correção a fazer, entre em contato com [email protected].
✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no Telegram do 247 e no canal do 247 no WhatsApp.
Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista: